Título: A troca de informações entre Brasil e EUA
Autor: Sprangim, Verônica
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Em 20 de março de 2007, o Brasil e os Estados Unidos assinaram um acordo para troca de informações tributárias, objetivando o exercício de um maior controle na administração e a verificação do cumprimento das obrigações tributárias propriamente ditas, além de facilitar a apuração de crimes decorrentes de questões tributárias como lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O acordo não se destina a evitar a bi-tributação entre os dois países.

Na prática, o acordo, se ratificado, pode implicar na disponibilização, entre os Estados signatários, de informações, inclusive sigilosas, relativas a determinados tributos federais. E mais: na participação direta da autoridade de um Estado na fiscalização e investigação realizadas pelo outro Estado em relação às pessoas físicas e jurídicas neste residentes, com a possibilidade de requisição de informações sobre elas de posse de instituições financeiras.

A troca de informações tributárias é objeto de cláusula de todos os tratados assinados pelo Brasil para evitar a bi-tributação, e que tem sido regularmente aplicada. Uma vez aprovado o acordo que tenha por objeto a troca de informações tributárias ou tratado para evitar a bi-tributação que contenha essa cláusula, sua aplicabilidade sujeita-se apenas às limitações nele mesmo previstas, razão pela qual é de grande importância o controle exercido pelo Poder Legislativo como pressuposto da incorporação da referida norma ao ordenamento jurídico brasileiro.

É fato que a troca de informações envolve duas questões delicadas: a da soberania do país signatário e a inviolabilidade da vida privada. O texto do acordo para a troca de informações tributárias firmado entre as duas nações, cuja aprovação é objeto do Projeto de Decreto Legislativo nº 413, de 2007, em tramitação na Câmara dos Deputados, após ter recebido parecer favorável da comissão de finanças e tributação, tem sua constitucionalidade questionada pela comissão de Constituição e Justiça e de cidadania (CCJ), na qual, destaque-se, a votação tem caráter terminativo.

-------------------------------------------------------------------------------- Não tem fundamento na Constituição a permissão para que autoridades dos EUA exerçam fiscalização em território nacional --------------------------------------------------------------------------------

São apontadas as seguintes inconstitucionalidades: 1) no plano formal: incompetência do secretário da Receita Federal para assinar tratado internacional; e 2) no plano material: violação à privacidade de pessoas físicas e jurídicas do Brasil e competência privativa e indelegável das autoridades fazendárias brasileiras para arrecadar e fiscalizar tributos. A competência para a celebração de tratados, segundo a Constituição Federal, é privativa do presidente da República, conforme o inciso VIII do artigo 84, da carta. E as competências atribuídas privativamente pela Constituição não podem ser delegadas a nenhuma outra autoridade. No caso da celebração de acordos internacionais, a competência privativa do presidente da República é fixada em razão de este ser o chefe do Estado. O presidente é a pessoa competente para agir nas relações com Estados estrangeiros.

O poder de tributar do Estado é a expressão de sua soberania e a celebração de tratados internacionais em matéria tributária implica em necessárias concessões recíprocas dos Estados participantes, pressupondo relações entre si, o que, também, segundo a Constituição brasileira, compete exclusivamente ao presidente da República, confirme o inciso VII do artigo 84. Note-se que o poder de tributar dos Estados signatários de acordos internacionais em matéria tributária é limitado pelo reconhecimento recíproco da soberania de um Estado em relação ao outro e da primazia das próprias normas fixadas nesses acordos ou tratados internacionais. A falta de competência da autoridade - no caso sob exame, do secretário da Receita Federal que assinou o tratado entre Brasil e Estados Unidos - configura vício incontornável. Nem mesmo a participação do presidente da República no encaminhamento do texto do acordo ao Congresso Nacional é suficiente para afastá-lo.

Sob o aspecto material, ou seja, relativamente às matérias disciplinadas no texto do acordo, questiona-se a constitucionalidade do acesso das autoridades de um Estado às informações relativas aos residentes do outro Estado e da atribuição de competência fiscalizatória a autoridades fiscais estrangeiras dentro do território nacional. A previsão, no acordo entre o Brasil e Estados Unidos, de uma cláusula que autoriza, mediante uma simples solicitação, o acesso às informações inclusive sigilosas, ainda que em poder de instituições financeiras, pertinentes a determinados tributos federais em relação aos contribuintes residentes no outro Estado, sejam eles pessoas físicas ou jurídicas, não é compatível com o direito à privacidade previsto no inciso X do artigo 5º da Constituição Federal. A quebra de sigilo bancário ou fiscal somente é admitida excepcionalmente a favor do interesse público, cuja presença em cada caso cabe ao Poder Judiciário verificar.

Da mesma forma, não encontra fundamento na Constituição a disposição do tratado de troca de informações que permite às autoridades fiscais dos Estados Unidos exercerem funções fiscalizatórias em território nacional. Isso porque, nos termos do artigo 37, inciso XXII da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, a atividade fiscalizatória tributária somente pode ser exercida por servidores de carreiras específicas.

Diante disso, evidencia-se a inconstitucionalidade do projeto de Decreto Legislativo nº 413, que deverá acarretar sua não aprovação pela CCJ da Câmara dos Deputados. Porém, se eventualmente o projeto for aprovado pela comissão e, depois, editado pelo Congresso Nacional, caberá ainda ao Poder Judiciário dar a última palavra sobre o assunto, como intérprete da Constituição Federal.

Verônica Sprangim é advogada tributarista do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados

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