Título: Destino do pré-sal esquenta debate entre investidores
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2008, EU & S.A., p. D3

Ary Oswaldo Mattos Filhos: é preciso afastar-se da "cacofonia" do governo Tudo o que se refere à Petrobras e à chamada camada de pré-sal tem dimensões assustadoras. Bilhões de barris de petróleo, bilhões de dólares em lucros e bilhões em investimentos. Como não poderia deixar de ser, qualquer decisão sobre o futuro da estatal acertará em cheio o mercado de capitais.

A Petrobras representa 17,5% do valor de mercado de todas as 394 companhias abertas, tem peso colossal no principal índice da bolsa e seus papéis remuneram desde megainvestidores estrangeiros até recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

O futuro das reservas é um assunto de interesse geral. Mas é, antes de tudo, um tema essencialmente político. "Aqui estamos nós de volta a 1940 quando o Brasil descobriu o petróleo e rapidamente nasceu um slogan político: 'O petróleo é nosso'. (...) Nós podemos antecipar o próximo slogan eleitoral: 'O pré-sal é nosso!'. ", escreveram os analistas da Itaú Corretora Paula Kovarsky e Diego Mendes em relatório a investidores. O resultado é que, como apontou a coluna do Valor "Fique de Olho na Bolsa", as ações da Petrobras voltaram para níveis de preços anteriores à divulgação da existência da reserva de Tupi.

Dúvidas sobre o destino do enigmático - e midiático - pré-sal não faltam. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, vem defendendo uma estatal pura para explorar o petróleo dessas camadas abissais que ainda não foi licitado. Aparentemente não há risco de se cancelar a propriedade dos blocos onde foram encontrados os campos de Tupi e Júpiter, encontrados no pré-sal de Santos, e onde a Petrobras tem sócios como BG, Repsol, Shell e ExxonMobil. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contribuiu para a confusão quando defendeu mais investimentos em educação ao invés de deixar o dinheiro (resultante da venda do petróleo) "na mão de meia dúzia de empresas que acham que o petróleo é delas".

Descontando o ruído político, o que há de concreto é a suspeita de que alguns dos reservatórios vão além dos blocos delimitados, ou seja, são da União. Pela regra utilizada pela indústria no mundo todo, quando um campo é contíguo a outro operado por sócio diferente é preciso um acordo para a "unitização" da área - a produção deve ficar com cada um dos sócios de campos licitados para diferentes empresas e que tenham as reservas interligadas. No caso de Tupi, Júpiter, Iara, Guará, Bem-Te-Vi, Parati, Caramba e Ogum - nomes provisórios dados às descobertas - a área da União pode representar mais de 30% do conjunto. A questão é como esse novo sócio vai investir caso não queira leiloar sua parte - um bilhete premiado - nem vender para os demais sócios.

Uma proposta apresentada pela Petrobras resolve o problema, pelo menos nessa área: ela sugere que essas reservas sejam integradas a seu patrimônio sob a forma de um aumento de capital da União, que tem diretamente 32,2% do capital total da companhia. Os recursos advindos da subscrição dos minoritários que queiram exercer direito de preferência para não terem a participação acionária reduzida seriam transferidos em parte ou no todo à União e destinados a um fundo soberano.

O problema é quantificar essa possível reserva petróleo em barris e atribuir um valor a ela. Se forem US$ 100 bilhões e as reservas valerem menos o acionista minoritário sairá perdendo. No relatório do Itaú, os analistas Paula Kovarsky e Diego Mendes ponderam que aumentar a fatia da Petrobras no pré-sal é uma idéia interessante, mas que pode resultar em mais participação do governo e menos petróleo adicionado. A favor da Petrobras, segundo os analistas do Itaú, está o grande apelo político que fará o governo evitar penalizar a empresa.

Com todas essas indefinições, a maioria dos investidores em ações da Petrobras parece estar adotando a estratégia de Mark Mobius, que em recente entrevista à Bloomberg disse que enquanto não vierem mudanças específicas na política, não mudará sua opinião sobre o Brasil

A politização do debate sobre o pré-sal causa insegurança jurídica sobre o mercado de capitais brasileiro, concorda Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec). Para ele, a mensagem é que o governo quer o investidor para dividir conta de investimento, mas não para dividir os lucros. "Não faz sentido, especialmente no cenário de grau de investimento", disse ele, referindo-se ao aumento da exposição do país ao capital externo com a nova classificação de risco.

Por essas e outras (e são muitas), o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) está iniciando um grupo de trabalho sobre empresas estatais. O presidente do conselho do instituto, Mauro da Cunha, afirmou que esse fórum será importante para debater os enormes desafios da aplicação dos princípios de governança, como, por exemplo, o papel dos empregados, administradores e conselheiros na defesa dos interesses da companhia. "Essa situação será importante para avaliarmos a sustentabilidade desse modelo de economia mista."

O ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Ary Oswaldo Mattos Filho disse que é importante se afastar da "cacofonia" existente no governo, com o excesso de porta-vozes sobre o assunto, para avaliar friamente o tema. Ele acredita que, tratando-se das reservas já da Petrobras, não há tantas preocupações. E sobre as reservas dos campos ainda não licitados, a União pode decidir pela mudança das regras, sem prejudicar as licitações anteriores. "A questão é ver se os investimentos na descoberta das reservas foram feitos pela Petrobras por conta própria ou a pedido do governo."

"Cabe destacar que o próprio governo estimulou no passado o uso do FGTS para aquisição direta e indireta de ações da Petrobras criando um enorme contingente de acionistas", ressaltou um comunicado da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), divulgado ao fim do 20º Congresso da organização, ressaltando os temores em relação ao debate do pré-sal.

O presidente da Apimec Nacional, Alvaro Bandeira, fez questão de frisar que a modelagem atual do processo de concessões de blocos de exploração e produção de petróleo vem dando certo já há uma década. "O pré-sal só foi descoberto em função da Petrobras, em função das parcerias desenvolvidas e com base nas mais de três dezenas de empresas que hoje trabalham com exploração de petróleo no país." (Colaborou Rafael Rosas, do Valor Online, do Rio)