Título: Cartão vira opção para empresas nos EUA
Autor: Tozzi , John
Fonte: Valor Econômico, 25/08/2008, Finanças, p. C7
A taxa de juros de 30% sobre seu cartão de crédito empresarial chocou James e Heather Hills a ponto de eles pararem de usá-lo totalmente em abril. O casal havia recorrido aos cartões de crédito no começo de 2006 para dar um empurrão inicial na "mhn Internet Marketing and PR", empresa que eles abriram em Elgin, Illinois, depois que três gerentes de crédito disseram a eles que eles não se qualificariam para um empréstimo bancário sem bens de capital para apresentarem como garantia. Então, o casal Hills, que não tem funcionários, tomou um empréstimo imobiliário de US$ 50.000 e dois cartões de crédito empresariais, oferecendo garantias pessoais.
Eles negociaram sua dívida até que um sócio abandonou uma planejada joint venture em março de 2007. Os Hills ficaram então com quase US$ 10.000 para o projeto em seu cartão Advanta. Desde então, eles atrasaram dois pagamentos e a taxa de juros aumentou de forma constante de 11,74% para 30,99%. "De repente, os juros passam a ser de várias centenas de dólares", diz James Hills. Mesmo sem novas compras, eles acreditam que só conseguirão pagar a dívida restante, ainda acima de US$ 6.000, em 2009. (Citando leis de privacidade, a Advanta não quis fazer comentários para este artigo.)
Embora os dados sobre a tomada de empréstimos nos cartões empresariais sejam dispersos, há indicações de que os empresários estão dependendo cada vez mais dos cartões de crédito para financiarem seus negócios, especialmente nos estágios iniciais de suas empresas. A porcentagem de companhias que usam os cartões de crédito saltou de 16% em 1993 para 44% hoje, segundo pesquisas da Associação Nacional das Pequenas Empresas dos EUA (ANPE). No mesmo período, a proporção das empresas que usaram os empréstimos bancários caiu de 45% para 28%. Uma pesquisa do Federal Reserve (Fed) mostrou que a porcentagem de empresas que usam os cartões de crédito empresariais subiu de 34% em 1998 para 48% em 2003. E números da ANPE e do Fed mostrou que entre 20% e 30% de todas as pequenas empresas carregam um saldo de crédito rotativo no cartão, em vez de pagarem totalmente suas contas todos os meses.
"Não temos alternativa no momento", diz Marilyn Landis, presidente da ANPE, uma ex-executiva de banco que hoje comanda a Basic Business Concepts, uma consultoria financeira. "Se houvesse alternativas, os donos das empresas recorreriam a ela." Este é um problema especial para as companhias de serviços ou informações, que não possuem equipamentos ou estoques para servirem de garantias a empréstimos comerciais.
Num pronunciamento perante o Comitê de Pequenas Empresas do Senado americano, em abril, Landis disse que as empresas solicitam linhas de crédito bancárias e em vez disso recebem cartões de crédito. Mas depender dos cartões, em vez dos empréstimos a taxas fixas ou das linhas de crédito, pode sobrecarregar as pequenas empresas com dívidas inesperadas e caras.
Ao longo da última década, as companhias de cartões de crédito vêm cortejando os donos de pequenas empresas, enquanto as emissoras tentam ampliar seus negócios para além do saturado mercado de cartões de crédito para o consumidor. Cerca de 12% das 6 bilhões de propostas de cartões de crédito enviadas pelos correios para os americanos todos os anos promovem os cartões de crédito empresariais para pequenos empresários, segundo a consultoria Mercator Advisory Group. Isso representa 720 milhões de ofertas, ou cerca de 26 para cada pequena empresa existente nos EUA. "As emissoras descobriram o segmento das pequenas empresas e se tornaram bastante agressivas nas tentativas de colocar cartões empresariais nas mãos de donos de empresas que estão em estágios iniciais", afirma Ken Paterson, analista da Mercator.
Isso porque as companhias de cartões de crédito vêem as pequenas empresas como um mercado fértil e em crescimento. A Visa estima que os investimentos totais das pequenas empresas americanas somaram US$ 4,7 trilhões em 2007, mas o volume pago nos cartões empresariais (incluindo dívida) foi de apenas US$ 283 bilhões, segundo estimativas da Mercator. "Como as redes de cartões dos bancos gostam de apontar, há muito espaço para crescimento apenas com a redução do uso dos talões de cheque", escreveu Paterson em um relatório.
E mais do que outros empréstimos a pequenas empresas, o mercado de cartões de crédito empresariais pertence aos grandes bancos. Em 2005, os dez maiores bancos dos Estados Unidos controlavam 83% do mercado de cartões de crédito empresariais, segundo um estudo da consultoria TowerGroup (que é controlada pela MasterCard). Os mesmos bancos tinham apenas 32% do mercado de empréstimos da Small Business Administration (a agência federal americana criada em 1953 para proteger os pequenos negócios) e 14% dos outros empréstimos a pequenas empresas. A mudança ficou mais pronunciada nos últimos anos, depois que os bancos, abalados pelos empréstimos imobiliários de risco, apertaram as condições de empréstimos.
Para alguns donos de empresas, o acesso fácil ao endividamento no cartão de crédito de fato proporcionou recursos cruciais. Chris Mauzy tentou um empréstimo bancário no quarto trimestre de 2007 para começar a Zip Express Installation, uma empresa de instalações eletrônicas domésticas. Mas o banco rejeitou o empresário de Minneapolis porque ele não tinha bens de capital que pudessem servir de garantias, mesmo tendo o gerente de crédito ficado impressionado com seu plano de negócios e sua experiência como diretor de desenvolvimento de negócios da Best Buy. "Eles estavam querendo financiar um fazendeiro ou uma oficina de usinagem, algo mais tradicional", diz ele.
Então, Mauzy pegou dois cartões empresariais American Express sem limite de gastos predefinido e começou a usar até US$ 30.000 em propaganda e na construção de um site na internet. Ele pagou o saldo total todos os meses, na medida em que o dinheiro começou a entrar e o fim do ano ele havia convencido um investidor a bancá-lo. Em julho, a Zip Express fechou um negócio para cuidar das instalações nacionais da Target e Mauzy espera fechar negócios de US$ 5,5 milhões em seu primeiro ano. Em retrospecto, ele está feliz pelo banco ter lhe recusado um empréstimo, porque agora não precisa pagar juros sobre um grande empréstimo.
Embora Mauzy seja uma história de sucesso, donos de empresas que dependem dos cartões de crédito por períodos mais longos podem ser pegos pelas condições evasivas dos cartões. "Os contratos dos cartões de crédito na são contratos de empréstimos tradicionais", diz Landis, porque, ao contrário dos empréstimos bancários ou linhas de crédito que são governadas por acordos de empréstimos, os emissores de cartões de crédito se reservam o direito de mudar as condições a qualquer momento. Segundo uma pesquisa da ANPE, um terço das empresas que usam os cartões de crédito carrega saldos mensais de mais de US$ 10.000. Landis diz que as taxas de juros imprevisíveis sobre os saldos mensais tornam impossível para os empresários financiar o crescimento com cartões de crédito. Ela viu os juros sobre um de seus cartões passarem de 4% para 28% e outro cartão reduzir as linha de crédito, muito embora ela não tivesse deixado de fazer nenhum pagamento ou tivesse estourado seu limite. "É como tentar construir uma casa com tijolos que vivem mudando de tamanho", diz Landis.
Aqueles que carregam saldos rotativos também pagam mais pelos empréstimos. David Walker, um professor de Georgetown que pesquisa o custo do crédito para as pequenas empresas, constatou que as companhias menores normalmente pagam duas ou três vezes a prime rate, em grande parte porque dependem muito dos cartões de crédito. "Elas estão alijadas de todos os mercados onde os custos são menores", diz ele.
Isso faz sentido até certo ponto. As pequenas empresas são arriscadas, e emprestar pelos cartões de crédito permite aos bancos cobrirem seus riscos com os ajustes nas taxas de juros, na medida em que o perfil de crédito do tomador muda. "Essa é a forma mais arriscada de empréstimo que um banco pode fazer. Eles precisam cobrar para ter um retorno sobre esse risco", diz Ken Clayton, vice-presidente sênior de políticas de cartões da American Bankers Association, órgão que representa os interesses dos bancos americanos.
As regulamentações propostas pelo Fed iriam restringir algumas das práticas mais agressivas dos cartões de crédito, incluindo a cobrança de taxas sobre os saldos existentes e a aplicação de pagamentos de maneiras que maximizam os juros. Mas as mudanças se aplicarão apenas aos cartões de crédito pessoais, e não ao crescente número de cartões empresariais, muito embora eles freqüentemente funcionem da mesma maneira.
James Hills diz que ainda fica chocado quando olha para a sua contabilidade e vê o quanto a dívida do cartão de crédito custa à sua empresa. "Embora paguemos bastante, eles continuam aumentando os juros, o que dificulta ainda mais os pagamentos", diz ele. "Com os juros tendo triplicado do começo até agora, é surpreendente como eles conseguem fazer isso."