Título: Receita argentina cobra imposto de investidor brasileiro
Autor: Watanabe , Marta ; Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2008, Brasil, p. A6
Francisco de Assis e Silva, do JBS: "Ainda acreditamos numa solução entre os governos dos dois países" A Receita Federal da Argentina está cobrando de investidores brasileiros um imposto sobre bens pessoais calculado sobre o valor patrimonial de ações e participações detidas em companhias argentinas. O tributo é exigido de acionistas argentinos e estrangeiros, mas os investidores brasileiros não pagavam o imposto alegando proteção de tratado internacional. O fisco argentino, porém, cobra agora o que não foi pago nos últimos cinco anos.
Segundo fontes do setor privado, o total envolvido pode chegar a US$ 80 milhões a US$ 100 milhões, sem multa e juros, relativos ao montante devido desde 2002. Como os investimentos brasileiros no país vizinho cresceram, o imposto pode significar custo extra de US$ 40 milhões para as empresas brasileiras por ano a partir de 2008.
A cobrança desagrada os empresários e o governo brasileiro, porque concede ao país, que é sócio no Mercosul, um tratamento menos privilegiado do que a nações como Chile e Espanha. Também causou mal-estar o fato de que a decisão do Fisco da Argentina ter sido publicada no dia 4 de agosto, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitava sua colega Cristina Kirchner, acompanhado de uma delegação de 306 empresários brasileiros.
O tributarista Alejandro C. Altamirano, do escritório argentino Altamirano & Asociados, diz que já entrou, a pedido de companhias brasileiras, com dois processos judiciais contra o tributo. "São empresas que já estão sob cobrança administrativa." Ele explica que o Fisco argentino concede 15 dias para responder ao aviso de débito e outros 15 dias após o que equivale à autuação fiscal.
Desde 2002, a legislação da Argentina determina que empresas e pessoas físicas argentinas e estrangeiras paguem o tributo calculado em 0,5% sobre o valor patrimonial na proporção da participação detida pelos acionistas. Os investidores brasileiros não pagaram o imposto por entender que um tratado internacional os protege da cobrança. O Fisco, porém, iniciou no início de agosto o envio de avisos de débitos e notificações de auto de infração às empresas argentinas que têm acionistas ou cotistas brasileiros. São essas empresas as responsáveis pelo recolhimento do tributo. As cobranças retroagem a 2003 e incluem 1,5% de juros ao mês e 50% a 100% de multa sobre o que deixou de ser pago.
"A medida do governo argentino é bombástica e desestimula o investimento brasileiro no país", disse Ricardo Martins, diretor-adjunto do Departamento de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Cálculo informal do governo mostra que os investimentos anunciados pelos brasileiros na Argentina entre 2002 e 2007 chegam a US$ 14,6 bilhões. Entre as brasileiras que apostaram na Argentina estão grandes companhias, como Coteminas, Ambev, Vulcabras, Camargo Corrêa e o frigorífico JBS.
De acordo com Francisco de Assis e Silva, diretor-jurídico do JBS, a empresa ainda não recebeu qualquer notificação do Fisco argentino. "Estamos verificando a contratação de um escritório de advocacia na argentina para acompanhar o tema, mas ainda acreditamos numa solução entre os governos dos dois países." O Itamaraty informou que as negociações técnicas estão avançadas, mas que falta uma "decisão política" da Argentina. Uma fonte do setor privado diz que a embaixada do Brasil em Buenos Aires tem dificuldades para discutir o tema com os argentinos.
Os avisos de cobrança do imposto sobre bens pessoais começaram logo depois de uma nota veiculada no diário oficial argentino em que a autoridade fiscal do país diz que o Tratado de Montevidéu, assinado em 1980, não é aplicado para questões tributárias. O acordo mencionado é a base da argumentação dos investidores brasileiras para não pagar o tributo.
O advogado Heleno Taveira Torres explica que as empresas brasileiras não recolheram o tributo com base na cláusula da nação mais favorecida constante no artigo 48 do tratado de Montevidéu, sobre a Associação Latino-americana de Integração (Aladi). Ele argumenta que, em função de acordos de bitributação bilaterais de seus países com a Argentina, os investidores da Espanha, Suíça e Chile não pagam o tributo. Nos tratados desses países há um dispositivo específico que livra os investidores do imposto.
O Brasil tem acordo para evitar bitributação com a Argentina, mas, diferente da Espanha ou do Chile, seu texto não livra os brasileiros da cobrança. A cláusula da nação mais favorecida, porém, diz Torres, estende para os integrantes da Aladi os benefícios tributários concedidos aos países que não fazem parte da associação. "O tratado internacional prevalece sobre a legislação local argentina." O tema foi alvo de um vaivém de interpretações de autoridades argentinas. Em 2002, a Subsecretaría de Ingresos Públicos, órgão ligado ao Fisco argentino, soltou nota favorável aos investidores brasileiros, indicando que os capitais originários dos países da Aladi estão livres do tributo. Mais tarde, o Ministério da Relações Exteriores da Argentina manifestou-se de forma contrária.