Título: Otimismo exagerado
Autor: D'Ambrosio , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 26/08/2008, EU & Investimentos, p. D1

Começa a ficar muito clara a falta de vocação de boa parte das empresas de construção e incorporação para atuar como companhia de capital aberto. Quase todas elas são familiares - personificadas na figura do dono - e nunca tiveram que dar satisfação ao mercado. Muito menos entregar resultados e uma programação de lançamentos a cada três meses. O otimismo exagerado dos dois últimos anos já começa a arrefecer, tanto que Inpar, Abyara e Eztec já reduziram a projeção de lançamentos e os analistas do setor são unânimes em afirmar que ainda deve vir muita correção de rota por aí.

Na euforia das ofertas iniciais de ações, embaladas pela tentação de arrebatar milhares de reais na bolsa, muitas empresas saíram comprando terrenos e acabaram errando a mão ao vender uma capacidade de lançamentos maior do que poderiam entregar. No comando dessas empresas, há empreendedores natos e executivos igualmente qualificados, com tino comercial e boa visão do negócio de incorporação e construção. Mas muitos deles não têm a cultura de resultado e o timing quase frenético que o mercado de capitais exige. As empresas foram obrigadas a crescer e ganhar escala, inclusive, geograficamente, em um período muito curto de tempo. Segundo um analista, havia empresas que iam bem fazendo de três a quatro lançamentos ao ano, mas que viraram os patinhos feios da bolsa e viram o valor de mercado despencar. Já tem muita gente bastante arrependida, de acordo com um executivo do setor.

A deterioração do preço das ações das construtoras na bolsa este ano já teve um efeito nefasto sobre o valor de mercado das empresas. As 21 companhias do setor que abriram capital tiveram uma perda em seu valor de mercado de R$ 16,4 bilhões entre o final do ano passado e o fechamento de ontem, passando de R$ 48,2 bilhões para R$ 31,8 bilhões, segundo levantamento feito pelo Valor. Essa perda já ultrapassa com folga o que foi captado nas ofertas primárias, quando as construtoras levantaram R$ 12,3 bilhões nos anos de 2006 e 2007.

Em um momento negativo das bolsas, o setor - que tem pouca liquidez - acaba sendo punido de forma mais acentuada. Das 20 ações listadas atualmente na Bovespa (desconsiderando-se a Agra, que foi comprada pela Cyrela), metade já caiu mais de 40% desde a abertura de capital. A Inpar, por exemplo, já teve uma queda de 78,6% e a Eztec, um recuo de 71,8%. Há uma única empresa, a JHSF, com ganho na bolsa este ano, de 13,5%, para uma queda de 14,7% do Ibovespa. "Embora o cenário de inflação e juros tenha melhorado, qualquer tipo de incerteza em relação a essas variáveis afeta fortemente o setor", diz o analista Rafael Pinho, da Bulltick.

Apesar da queda expressiva dos papéis, muitas empresas entregaram fortes resultados no segundo trimestre. As vendas contratadas, somadas, saltaram de R$ 3 bilhões para R$ 7,4 bilhões, uma alta de 149,3%. O volume de lançamentos, que havia sido de R$ 4,4 bilhões no segundo trimestre de 2007, passou para R$ 9,5 bilhões, o que representa uma evolução de 118,9%. Até mesmo o lucro do grupo das empresas que foi para a bolsa subiu 73,5%, para R$ 700 milhões. "Há um claro descolamento entre o mundo real e as ações", afirma Pinho. "A demanda continua muito boa", afirma Zeca Grabowsky, presidente da PDG Realty.

Mas a luz vermelha começa a acender quando se olha para o caixa das empresas, um indicador fundamental no segmento, já que as companhias precisam de fluxo de caixa para transformar essa avalanche de lançamentos em estruturas de concreto. Quando se analisa lançamentos, vendas contratadas, receita líquida, lucro líquido e lajida (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização), o crescimento conjunto em relação ao segundo trimestre do ano passado é sempre superior a 70%. O único indicador com um crescimento tímido, de 3,3%, no último trimestre, é o caixa. "A maior preocupação do setor hoje é caixa", diz Eduardo Silveira, analista do Banco Fator.

Empresas como Inpar, Brascan, CCDI, CR2 e Even estão com caixa menor nesse trimestre. Por um lado, a acesso a crédito está mais difícil e mais caro. Até as maiores e menos endividadas já começam a constatar essa nova realidade. De outro, a possibilidade de voltar à bolsa para fazer novas captações é praticamente inviável. "As empresas contavam que o mercado de capitais era uma torneira eternamente aberta", diz Grabowsky. "As empresas estão sem combustível para manter o ritmo de crescimento que pretendiam."

E o que vai acontecer a partir de agora? Sobram dúvidas e faltam respostas entre os que acompanham o setor. O risco de as empresas quebrarem ainda é pequeno, mas existe. "Não se pode esquecer que esse é um setor com histórico de quebra", diz o analista de um grande banco de investimento. Muita gente vai ficar na categoria dos esquecidos na bolsa, segundo ele.

Essa visão começa a se cristalizar entre analistas e até mesmo alguns empresários do setor. Pouco a pouco as 21 empresas que foram à bolsa passam a ocupar posições bastante claras em grupos bem distintos. Até o final do ano passado ainda era difícil prever quem iria liderar o setor, quem ficaria em uma posição intermediária e quem ocuparia a lanterna entre as empresas na visão do mercado financeiro. Agora, com o acesso ao crédito cada vez mais caro e uma desilusão generalizada com os papéis do setor, vai ficando mais claro quem, de fato, vai pertencer a que grupo. "Esse trimestre serviu para separar os vencedores dos perdedores", diz Marcelo Telles, analista do Credit Suisse.

A Cyrela é a líder inconteste desse setor. Seu volume de lançamentos, quando incluída a recém adquirida Agra, representa mais de 20% de todo o mercado. O mesmo se repete em vendas contratadas, receita, resultado e lajida. Até mesmo o caixa disponível da Cyrela, sozinho, representa quase um quinto de todas as outras empresas juntas. Em sua cola seguem companhias que já eram grandes antes da abertura de capital, como Gafisa, Rossi, MRV e, exceção nesse caso, a PDG Realty.

Durante o período em que se apostou que haveria uma consolidação generalizada entre as empresas de construção e incorporação, essas cinco companhias lideravam o ranking das consolidadoras. Na outra ponta estavam companhias que já tinham um valor de mercado muito próximo de seus ativos, como a Inpar, a Eztec e a Helbor - que não se uniu à Company por uma simples questão sobre a escolha do nome da nova empresa.

A consolidação não veio e muitas das empresas que estavam no pé da lista agora têm valor de mercado até 50% inferior a seus ativos. "Só vai vender tão barato quem realmente precisar", diz um executivo. O que ficou definitivamente mais claro foi que, pelo menos a médio prazo, não deve haver uma dança de posições entre as maiores e as menores empresas do setor. (Colaborou Yan Boechat).