Título: Índios ameaçam ficar em área, mesmo que STF considere demarcação ilegal
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Fonte: Valor Econômico, 27/08/2008, Brasil, p. A2

Alan Marques / Folha Imagem Tarso Genro, ministro da Justiça: PF garantirá a segurança em Roraima Os 18 mil índios que vivem na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, não deixarão de ocupar a área de 1,7 milhão de hectares, mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue ilegal a demarcação contínua e autorize a permanência de arrozeiros e famílias de agricultores brancos na reserva. A afirmação foi feita ontem pelo coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza.

"Aquela terra nós vamos continuar ocupando. Os povos indígenas não vão sair de lá, sendo [a demarcação] em área continua ou em ilhas. A gente não vai aceitar limite de arrozeiro ou alguém que queira limitar nossa terra", disse Souza. O STF julga hoje ações que contestam a demarcação, homologada em 2005 pelo governo federal. Um grupo de produtores de arroz e famílias de agricultores brancos quer permanecer em parte da área da terra indígena.

"Ninguém quer viver com bandido, queremos que tirem os arrozeiros de lá", afirmou Souza. "Eu, que sou dono da terra, deveria ter matado esse cara [Paulo César Quartiero, líder dos rizicultores] a flechada, mas não fiz isso. A gente reconhece os direitos dele, mas não em uma terra dos outros, não seja invasor."

Ele teme a possibilidade de conflito após a decisão do STF, principalmente no distrito de Surumu, área de maior tensão entre fazendeiros e índios contrários e favoráveis à demarcação contínua. "Não duvido que haja confusão. Quando determinaram a retirada, eles já soltaram bomba. Se ele [Quartiero] perder agora, vai ficar chateado mesmo."

Um grupo de cerca de 500 manifestantes fechou ontem, por quase três horas, a rodovia BR-174, que liga Boa Vista a Pacaraima, para pedir a manutenção da demarcação contínua da área. Sob sol forte, o protesto reuniu indígenas, agricultores, representantes dos Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e dos Trabalhadores Sem Teto . Além de defender a demarcação, o grupo aproveitou o bloqueio para pedir a posse de uma fazenda na beira da rodovia, ocupada há oito dias por cerca de 200 famílias.

De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, a manifestação foi pacífica e apenas uma pessoa foi detida após furar o bloqueio e invadir a pista onde estavam os manifestantes.

Marizete Macuxi, coordenadora do CIR, afirmou que hoje um grupo de indígenas se reunirá no centro da capital do Estado, Boa Vista, para acompanhar o julgamento do STF. "Estamos confiantes na decisão do Supremo, que eles [ministros] vão respeitar os nossos direitos, que estão amparados na Constituição Federal."

A líder indígena negou que os índios estejam preparando alguma resistência violenta, caso o STF decida pela ilegalidade da demarcação contínua, mas não descartou a possibilidade de conflito com os produtores de arroz. "Para nós o clima está pacifico, mas ninguém sabe o que eles [agricultores] estão programando, o que eles estão preparando."

Em Brasília, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse ontem que a Polícia Federal (PF) agirá para garantir a segurança em Roraima, qualquer que seja a decisão tomada pelo Supremo em relação à demarcação da Raposa Serra do Sol. "Não vai ser por falta de ação da PF que algum tipo de decisão deixará de ser cumprida. Não vai faltar apoio. Qualquer ação da PF será demarcada pela decisão, pela lei e pela Constituição", afirmou o ministro.

O ministro disse que "o desejo do governo federal" é que a reserva seja mantida em área contínua. "Se for determinada a descontinuidade isso abrirá um contencioso infinito em relação a outras demarcações", ressaltou. Ele criticou os produtores de arroz da Raposa Serra do Sol, definidos por ele como "pessoas que ocuparam terras ilegalmente" e responsáveis pela instabilidade na área.