Título: Mantega já vê sinais de desaceleração
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/08/2008, Brasil, p. A5
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já vê os primeiros sinais de desaceleração da economia e avalia que não é hora de tomar mais medidas para conter a expansão do crédito. "Não é hora de mexer, é hora de esperar", disse ontem, em entrevista ao Valor. Segundo ele, o Banco Central chegou a fazer estudos para apertar as regras prudenciais dos bancos e conter a velocidade de expansão do crédito, "que está excessiva", admite, mas optou por elevar a taxa de juros. "Tenho simpatia por regras prudenciais, porém você tem de olhar o conjunto da obra e não dá para somar tiro de canhão com tiro de metralhadora. Você corre o risco de matar o crescimento."
Nas contas de Mantega, no início do governo Lula o volume de crédito era modesto, não passava de 22% do Produto Interno Bruto e o PIB era bem menor. "Em valores absolutos dava R$ 380 bilhões e hoje chegamos a R$ 1,085 trilhão", considerando apenas o crédito do sistema financeiro nacional, que equivale atualmente a 37% do PIB. Somando o crédito mercantil, de empresa para empresa, e as captações feitas no mercado de capitais, contudo, esse percentual é bem maior. Os dados oficiais indicam "que estamos acima de 50%". Mantega estimou que "o crédito total está entre 50% e 60% do PIB". Para a estimativa, usou gráficos e tabelas, que subsidiaram a exposição que fez ao presidente Lula, terça-feira.
Para ele, porém, o problema não é o volume, mas "a velocidade de expansão do crédito, que é excessiva". Ontem mesmo o ministro esteve com representantes da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que lhe garantiram que a oferta de crédito para a aquisição de automóveis está desacelerando.
De acordo com o ministro, "está havendo desaquecimento da economia, mas não sabemos ainda se é suficiente". Segundo ele, "o PIB já está crescendo a taxas menores, as vendas a varejo aumentam a taxas menores, a produção industrial no terceiro trimestre será menor, até por efeito estatístico, as vendas no comércio varejista chegaram a um ápice e começam a cair".
O governo, portanto, está em fase de observação e mantém medidas alternativas na gaveta, caso venham a ser necessárias. "Qualquer medida é possível. Está dentro das hipóteses aumentar o IOF sobre o crédito direto ao consumidor, ou colocar o IOF sobre operações de leasing. Isso é possível, mas não quer dizer que vamos usar."
Mantega diz que já vê "sinais de algum desaquecimento, já há sinal de queda do consumo". Para ele, entretanto, "não são ainda sinais suficientes, não dá ainda para tirar uma conclusão, mas me parece que está na direção certa".
Ele acha que "a queda nos preços das commodities nos ajuda muito com a inflação". E, segundo suas previsões, os preços das commodities vão recuar em relação ao ápice, que foi em maio/ junho deste ano, mas não vão voltar aos patamares de antes do início da escalada de preços.
Especificamente sobre medidas prudenciais para o sistema bancário, sugeridas pelo ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em entrevista publicada ontem pelo Valor, Mantega prefere não comentar em detalhes nem descarta iniciativas nessa área, atribuindo esse assunto ao Banco Central, que monitora as informações. Ele não sabe dizer, por exemplo, se há descasamento de prazos entre as operações de captação de recursos e de empréstimos. "Isso você tem de perguntar ao BC". O que ele desestimula é o uso de uma "dosagem cavalar" de medidas para desaceleração da economia. "Se fizermos um aumento forte de taxa de juros, mais essas medidas fiscais que já tomamos, de aumento do superávit primário, mais aumento do compulsório sobre leasing e mais regra prudencial, vamos inviabilizar o crescimento. Temos que ir devagar."
De uma coisa Mantega está seguro: "Na área fiscal, e não falo pelo BC, as medidas que nós já tomamos, eu as considero suficientes". Isso para que o PIB chegue ao fim do ano com um crescimento de 5%, com a demanda interna saindo dos 7% de crescimento que apresentava no fim de 2007 para a casa dos 6% este ano. "Agora a demanda interna deve estar em 6,3%. É o que queríamos. Nada como ter uma demanda robusta para enfrentar a crise externa", comentou.
Nesse aspecto, Mantega contesta as idéias de Armínio Fraga, que atribuiu o crescimento da economia mais à expansão do consumo e do crédito do que aos fatores que fundamentariam efetivamente o crescimento sustentado, tais como investimentos, sobretudo em infra-estrutura e educação.
Mantega lembra que "desde o ano passado" vem dizendo "que o crescimento do crédito está exagerado, que o número de prestações é excessivo, o que aqueceu a demanda de forma acima do desejado", razão pela qual foram tomadas medidas em janeiro. Em seguida, complementa: "Não sou contra aquecer a demanda. Só um país que tem demanda robusta estimula investimentos. Não queremos jogar fora essa vantagem. É uma lei básica da economia." E enfatiza que o que está em jogo é mais uma questão de sintonia fina, para reduzir a velocidade do crescimento.
Mantega acredita que a taxa de investimento só está crescendo 15% porque há demanda. "O Armínio não sabe o que está acontecendo. O investimento nunca esteve tão robusto como está agora", diz, citando uma série de exemplos: a indústria automobilística vai investir US$ 23 bilhões entre 2009 e 2012; os investimentos públicos do orçamento da União cresceram 49% no ano até julho, em comparação com igual período do ano passado, e é provável que supere os investimentos pagos superem R$ 30 bilhões este ano; o setor ferroviário está investindo R$ 4 bilhões por ano; o siderúrgico tem planos de mais de US$ 15 bilhões. Só a Petrobras investirá, em 2008, R$ 62 bilhões sendo que mais de R$ 50 bilhões internamente. "A Petrobras e o BNDES têm uma fábula em investimentos e não seria assim se não tivéssemos constituído um mercado interno robusto." O total de investimentos das empresas estatais neste ano será de R$ 62,9 bilhões. Isso, somado aos cerca de R$ 30 bilhões do orçamento, representará 3,5% do PIB, assinala o ministro.
Com os dados do desempenho da política fiscal de janeiro a julho em mãos, ele ressaltou que são todos absolutamente recordes, os melhores resultados desde o início da série divulgada pelo Banco Central, em 1991. E garantiu que não se trata de uma performance baseada apenas no aumento das receitas. Houve melhoria da gestão, sustentou. Foi esse avanço nas contas públicas que lhe permitiu defender como principal objetivo da política fiscal, chegar a um superávit nominal em 2010. Em 12 meses, até julho, o setor público tem um déficit nominal de R$ 53,1 bilhões.