Título: Acordo entre Odebrecht e Suez foi fechado sob ameaça
Autor: Costa , Raymundo ; ,Romero , Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 28/08/2008, Empresas, p. B8
O governo obteve dos presidentes dos grupos Odebrecht e Suez, envolvidos em polêmica que pode atrasar o início das obras das usinas do rio Madeira, a garantia de que eles vão respeitar as decisões da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Ibama. Durante reunião com o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, os representantes dos dois grupos, segundo apurou o Valor, teriam prometido não entrar na Justiça, mesmo que as deliberações dos dois órgãos prejudiquem seus interesses. Para isso, o governo voltou a ameaçar cancelar as duas licitações e tocar os projetos sozinho.
Ao participar do leilão para a construção da hidrelétrica de Jirau, o consórcio Enersul, que reúne as empresas Suez e Camargo Corrêa, além das estatais Eletrosul e Chesf, alterou o projeto de engenharia, mudando em mais de nove quilômetros a localização original da barragem. Com isso, reduziu o custo de sua proposta em cerca de R$ 1 bilhão, vencendo o leilão.
Por causa da mudança, a Odebrecht, líder do consórcio que ganhou a disputa pela outra usina do Madeira - a de Santo Antônio -, ameaçou recorrer à Justiça para contestar o leilão. Se isso acontecesse, a execução das obras de construção de Jirau seria adiada, inviabilizando o início da geração de energia em dezembro de 2011, como planejou o governo.
Há três semanas, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, advertiu que, se houvesse batalha judicial, o governo cancelaria os leilões e entregaria as obras à Eletrobrás. Para resolver o impasse, o ministro Edison Lobão convocou os presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Suez, Maurício Bähr, para uma reunião em Brasília.
A conversa, segundo relato de um participante do encontro, começou tensa, com troca de acusações e críticas mútuas. Lobão decidiu, então, reiterar a disposição do governo de anular a concessão obtida pelas empresas. O governo tem pressa. Se a construção das usinas, que juntas terão capacidade instalada para gerar energia de 6.450 megawatts, não começar nos próximos três meses, período de maior baixa do rio Madeira, as obras atrasarão um ano. Isso comprometeria o planejamento energético do governo federal, que conta com a energia do Madeira para abastecer o mercado daqui a três anos.
Diante da possibilidade de perder tudo, Odebrecht e Suez decidiram fechar um acordo. "Os dois concordaram em não recorrer à Justiça. A decisão sobre o que vai acontecer com o projeto de Jirau ficou com a Aneel e o Ibama", contou uma autoridade envolvida nas negociações.
O grupo Suez está tão seguro de que tanto a Aneel quanto o Ibama ratificarão seu projeto de engenharia que, na conversa com Lobão e Marcelo Odebrecht, levantou a hipótese de devolver a concessão e autorizar o governo a executar as garantias, de R$ 650 milhões, caso haja uma decisão desfavorável. O governo, na verdade, não conta com isso, e a razão é fiscal: se as garantias forem executadas, o Tesouro também sofrerá prejuízo, na medida em que as estatais Chesf e Eletrosul respondem por 40% do consórcio Enersul.
No governo, o que se diz é que o edital de construção de Jirau possuía cláusula que permitia aos participantes dos leilões alterar o projeto original de engenharia. Na reunião com Lobão, Maurício Bähr teria explicado que "otimizar o projeto" é um direito do empreendedor. Um de seus argumentos é que, se a construisse no local original, haveria degradação ambiental, uma vez que seria necessário retirar o equivalente a "72 Maracanãs de pedras", segundo relatou a empresa ao governo.
O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, disse que a análise do projeto de Jirau deve ser concluído até outubro. "É de interesse do país que esse projeto seja examinado com a maior rapidez possível", disse Kelman após participar de evento promovido pela Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica.