Título: Quando o lixo é bom
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Fonte: Correio Braziliense, 06/03/2011, Opinião, p. 16

É motivo de orgulho para os brasilienses quando alguém de fora se lembra do Distrito Federal como a cidade onde a faixa de pedestres é respeitada pelos motoristas. Unidade da Federação que figura entre as melhores nos indicadores de educação e qualidade de vida, ela poderia adotar como hábito outras ações-símbolo de cidadania. Uma sugestão é a coleta seletiva de lixo. O tema desencadeou debate e ganhou força em 2007, época em que as prefeituras ou associações de moradores de algumas quadras do Plano Piloto anunciaram ter aderido à ideia. Lamentavelmente, os progressos foram poucos de lá para cá.

A Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário, atendendo a pedido da Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público do DF e Territórios, determinou que o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) tem 90 dias para implantar a coleta seletiva em todo o Distrito Federal. A ação parte do princípio de que o SLU vem descumprindo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 2006, o qual estipula as obrigações da estatal para pôr em prática a coleta. Com poucos recursos, sem a colaboração de parcela importante da sociedade e das empresas, a tarefa tornou-se uma dor de cabeça.

O fato é que, ao descumprir o TAC, o Serviço de Limpeza Urbana desrespeitará, também, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Por meio de decreto presidencial de dezembro passado, essa política determina que, a partir de 2014, seja proibido despejar em aterros sanitários qualquer tipo de resíduo sólido passível de reciclagem ou reutilização, e em 2015 não haja mais lixões no Brasil. Quem observa o Lixão da Estrutural e acompanha seu funcionamento há décadas tem poucas razões para acreditar no cumprimento dessa meta.

Repostas a esse desafio dependem menos de recursos financeiros e mais de vontade política e conscientização pública. Dinheiro aplicado em coleta seletiva e na promoção da reciclagem não é investimento a fundo perdido. Um dos estudos utilizados pelo Ministério do Meio Ambiente para ressaltar a importância da PNRS revela que o Brasil deixa de economizar R$ 8 bilhões com material que é depositado em lixões e aterros. A atividade de catadores, estereotipada como serviço desimportante desempenhado por pessoas de baixa renda, representa, na verdade, uma indústria para a qual o país ainda não abriu os olhos. São cerca de 1 milhão de catadores em todos os estados.

Brasília exige, como poucas metrópoles brasileiras, pioneirismo nesse tema. A população do DF, que tem poder aquisitivo e hábitos de consumo superiores à média nacional, é a maior produtora de lixo per capita do Brasil. Poderia ser exemplo de boa gestão dos resíduos sólidos, preparando os catadores para o trabalho qualificado em usinas de reciclagem e aterros, e implementando políticas públicas que levem os moradores a aderir à coleta seletiva. Afinal, de nada adiantará o SLU cumprir o que lhe foi requisitado se o cidadão comum permanecer apático e desmobilizado em relação à necessidade de separação adequada do lixo.