Título: Empresários lançam plano para corte de emissões
Autor: Chiaretti , Daniela
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2008, Internacional, p. A9

Os empresários britânicos têm enfrentado as mudanças climáticas com senso de urgência e como uma oportunidade para remodelar a economia. Dezoito executivos do alto escalão das maiores empresas do Reino Unido se debruçaram sobre o tema durante 10 meses, produzindo um relatório que detalha com profundidade como o governo, as corporações e os consumidores devem agir para tentar reduzir o aquecimento global no futuro e se adequar a ele no presente. A estratégia rumo a uma economia de baixa emissão de carbono prevê desde investimentos de 100 libras ao ano em cada casa, até 2030, ao surgimento de 12 novas usinas nucleares nas ilhas.

"Este relatório não foi escrito por ativistas", avisa a primeira linha do prefácio de "Mudanças climáticas: um assunto do interesse de todos", o estudo do grupo de trabalho sobre o assunto da CBI, a Confederação das Indústrias Britânicas. "Foi escrito pela comunidade empresarial." Isto significou reunir os planos de diretores-executivos e presidentes de empresas de diversos setores sediadas no Reino Unido, que empregam quase dois milhões de pessoas no mundo e têm uma receita anual que bate em um trilhão de libras esterlinas - o que é bem mais que o PIB brasileiro. Ali se lê, por exemplo, que em 2030, se os britânicos quiserem atingir as metas de cortes de emissão propostas pelo governo, 15 milhões de casas deverão ser reformadas para ter isolamento térmico mais eficiente e os produtos elétricos terão que consumir 30% menos energia que os de hoje. Com isso, deixarão de lançar à atmosfera 68 milhões de toneladas de CO2 equivalente - medida que expressa a quantidade de aquecimento global produzida pelos gases-estufa tomando o CO2 como base. Em 22 anos, o Reino Unido terá que ter três mil usinas de geração de energia eólica e 10% de automóveis híbridos, além de aposentar os combustíveis fósseis tradicionais, se quiser realmente dar uma guinada na economia e cortar a emissão de gases-estufa.

Hoje o Reino Unido responde por cerca de 2% das emissões globais. O estudo mostra que se for considerada a "pegada de carbono", a responsabilidade britânica é ainda maior. "Pegada de carbono" é a quantidade de emissões de gases-estufa que está ligada a uma atividade. No caso, significa o carbono emitido na produção de artigos importados que os britânicos consomem, assim como o relativo ao que exportam. A estimativa é que as emissões globais diretas das 100 maiores empresas do Reino Unido representem, sozinhas, cerca de 1,5 % do total mundial.

"Os próximos dois ou três anos serão decisivos", diz o estudo. Lá se propõe que, no próximo triênio, sejam tomadas decisões que alterem a tributação de empresas premiando as que tiverem atitudes realmente ecológicas, que se estudem taxações sobre automóveis e que exista um novo acordo sobre as emissões de CO2 dos carros e até que as compras governamentais sejam feitas pensando em adquirir bens que emitam menos. As compras do setor público batem em 150 bilhões de libras esterlinas ao ano, ou 12% do PIB. O estudo dos empresários calcula que o governo seja responsável por cerca de 7% das emissões do Reino Unido. "É preciso reconhecer a urgência da situação se quisermos atingir as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa a um custo razoável e ocupar um papel de liderança internacional na futura economia de baixa emissão de carbono", diz o relatório, feito a partir de uma análise encomendada à McKinsey. A conclusão da empresa de consultoria é que o governo dificilmente conseguirá atingir as metas de redução de gases-estufa que propôs para 2020. Tem alguma chance com as outras, definidas para 2050, se poder público, empresas e consumidores começarem a se mexer agora.

Para trabalhar com horizonte mais curto e palpável, o estudo da McKinsey projetou um roteiro de ações para 2030. A economia britânica terá que funcionar de outro jeito. A migração para fontes de energia de baixa emissão de carbono e a racionalização do uso de energia elétrica em edifícios poderão representar, cada uma, 30% a mais nas reduções necessárias. A aposta é numa geração de eletricidade mais limpa à medida que as usinas antigas forem substituídas por termoelétricas a gás mais modernas e as energias renováveis ficarem mais baratas.

Trata-se de um esforço gigantesco pela frente. O setor industrial, por exemplo, terá que substituir os combustíveis fósseis convencionais por fontes de energia como biomassa ou lixo. A dependência de geração elétrica aos fósseis, que hoje representa 70% do consumo no Reino Unido, terá que ser reduzida à metade e o restante compensado com investimentos na geração da energia dos ventos, das marés e nucleares. "É preciso começar já a planejar a substituição e expansão da atual frota de usinas nucleares para que as obras tenham início nos próximos cinco anos", recomendam. Tudo isso sem que a economia perca vigor e estimando um crescimento anual do PIB de 2% a 3%.

Em paralelo a esta busca por novas fontes de energia, o trabalho aposta no desenvolvimento de tecnologias que capturem e armazenem o carbono emitido pelas termoelétricas, as chamadas CAC. A idéia é que todas as novas termoelétricas a carvão tenham CAC em 2025. Os cortes nas emissões também podem ser obtidos com melhor gerenciamento. Um exemplo é a aviação. As viagens aéreas internacionais e domésticas significam 6% das emissões do Reino Unido. Pelo menos 73 milhões de toneladas de CO2 são jogadas por ano na atmosfera devido ao congestionamento de aviões no céu ao redor do aeroporto de Heathrow. "A modernização dos sistemas de controle de tráfego aéreo na Europa poderia cortar o consumo de combustível em 12%", estima.

Para chegar ao que se pretende em 2050, os níveis de eficiência energética terão que ser muito superiores aos atuais. E os impostos e a legislação que foram feitos para a "antiga economia" devem ser ajustados para um mundo "onde o carbono seja uma nova moeda e os consumidores e as empresas sejam recompensados por tomar as decisões certas." Esta nova moeda deverá ter um valor máximo para que as coisas funcionem. Segundo a análise da McKinsey, a tonelada de CO2 equivalente terá que custar, no máximo, 40 euros em 2030. Este valor será mais alto em 2020 (60 euros a 90 euros) É o tempo para que o custo inicial das novas tecnologias caia.

Os britânicos já vêm sentindo os efeitos das mudanças climáticas. A barreira contra enchentes do Tâmisa, inaugurada em 1983 para proteger Londres das inundações, foi acionada 55 vezes até 2005 - 28 delas nos últimos cinco anos. A ameaça é real, mas as oportunidades também, reforça o estudo. "As mudanças climáticas abrirão excelentes oportunidades para desenvolver, no Reino Unido, novas áreas de geração de riqueza", diz. O mercado mundial voltado para as soluções a este megaproblema pode atingir US$ 1 trilhão nos primeiros cinco anos. Haverá oportunidades para empresas inglesas de tecnologia da informação, finanças, aeroespaciais, automotivas, de arquitetura e de varejo. A intenção, também, é se transformar num líder mundial na adaptação ao inevitável - os segmentos de negócios, no caso, seriam os de previsão climática, engenharia civil, tratamento de água e artigos farmacêuticos. O relatório coordenado pelo grupo de trabalho dos empresários britânicos será divulgado amanhã, em São Paulo, por Martin Broughton, presidente da CBI.