Título: Expansão alicerçada no crédito não é sustentável
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Fonte: Valor Econômico, 01/09/2008, Opinião, p. A10

Mesmo com o aumento dos juros promovido pelo Banco Central (BC), o volume de crédito bancário segue crescendo a taxas impressionantes na economia brasileira. Em julho, chegou a 37% do Produto Interno Bruto (PIB), o percentual mais elevado da série histórica. Em apenas um ano e meio, cresceu quase 7% do PIB, o equivalente a aproximadamente R$ 353,1 bilhões. Os números são positivos, mas também trazem alguma preocupação.

Nos 12 meses concluídos em julho, o crédito bancário total, que inclui os empréstimos livres e direcionados, expandiu 32,7%. O BC diz que, por causa das recentes elevações da taxa básica de juros, o ritmo de crescimento diminuirá nos próximos meses, caindo em dezembro para algo entre 20% e 25%, uma taxa igualmente robusta. Ainda assim, o volume de crédito deverá fechar 2008 em torno de 40% do PIB.

Quando se observam os números por dentro, vê-se que a oferta de crédito às empresas está crescendo numa velocidade maior do que às pessoas físicas - 41% face a 30,7%, nos 12 meses terminados em julho. Esse é um dado positivo. Mostra que as empresas, principalmente as pequenas e médias, estão recorrendo ao mercado financeiro para financiar suas atividades, especialmente os novos investimentos. No caso das grandes companhias, a crise financeira dos mercados mais desenvolvidos diminuiu a liquidez lá fora, obrigando-as a buscar crédito aqui dentro.

Um dado, porém, deve ser olhado com muita atenção. O crédito que mais tem crescido é o do segmento livre, onde as taxas de juros são pactuadas de acordo com as condições de mercado. Há duas formas de ler esse fenômeno: uma positiva e outra negativa. A positiva é que, aos poucos, o Brasil vai se adequando ao funcionamento de uma economia de mercado, onde os preços obedecem, em geral, à lei da procura e da oferta, em vez de atenderem a decisões tomadas em Brasília - como se sabe, os subsídios presentes no crédito direcionado, além de diminuírem a eficácia da política monetária conduzida pelo BC, concentram renda num país já marcado por enormes desigualdades.

A leitura negativa é que o segmento do mercado de crédito que mais tem crescido é justamente o mais caro. Num país onde os juros são altíssimos, a corrida do crédito preocupa. Nos 12 meses concluídos em julho, o crédito livre cresceu 35,9% em meio à alta dos juros. Naquele mês, a taxa média dos empréstimos bancários chegou a 39,4% ao ano.

Abertos os números, verifica-se que a modalidade campeã de juros, o cheque "nada" especial, foi a 162,7% ao ano; o crédito pessoal subiu para 53,6%; e o financiamento de carro cresceu para 33,5%. Esses percentuais dão uma idéia do lucro que os bancos têm nas operações de crédito, uma vez que seu custo médio de captação, naquele mês, foi de 13,8% ao ano. O BC informa que, nesse contexto, a taxa de inadimplência cresceu de 4% para 4,2%. No caso do crédito ao consumidor, superou os 7%.

Na semana passada, numa entrevista que movimentou o debate econômico, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga disse ao Valor que está preocupado com a rápida expansão do crédito. Ele chamou a atenção para o risco de os bancos não conseguirem alongar os prazos de suas captações de longo prazo na mesma medida em que estão ofertando crédito de longo prazo a empresas e pessoas físicas. Fraga explicou que esse é um problema generalizado no mundo e sugeriu que o BC se antecipe à discussão do problema, uma vez que as regras internacionais da Basiléia são "frouxas no que diz respeito aos riscos de liquidez e aos de captação".

O aumento da oferta de crédito tem sido crucial para financiar o atual ciclo de crescimento da economia brasileira, mas, como bem lembrou o ex-presidente do BC, uma expansão alicerçada principalmente no crédito e no consumo não é sustentável. É preciso aumentar os investimentos em máquinas e equipamentos, o que está efetivamente acontecendo no setor privado, e melhorar urgentemente a infra-estrutura do país e o nível educacional da população, o que está ocorrendo muito aquém do desejável.