Título: Inflação deve comprometer aumento da renda até 2009
Autor: Augusto , Alexandre
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2008, Opinião, p. A10

As pressões inflacionárias sobre vários gêneros alimentícios - fenômeno que teve início em meados do ano passado - têm provocado perda no poder de compra das famílias brasileiras. Esse efeito já pode ser percebido com mais intensidade na evolução da taxa de crescimento em 12 meses da massa salarial real. Embora o indicador continue a apresentar expansão, esta se dá mais pelo aumento do número de ocupados do que pela ampliação do rendimento real médio. À medida que os preços sobem, quer seja em virtude do excesso de demanda interna, quer seja devido à escalada mundial dos preços dos alimentos, e o Banco Central eleva a taxa de juros para impedir que ocorram desequilíbrios macroeconômicos mais sérios, deverá haver uma retração da absorção doméstica no médio prazo.

A alta dos preços produz um efeito perverso sobre a renda dos trabalhadores. Apesar de as condições do mercado de trabalho continuarem bastante favoráveis, a contribuição do rendimento para o crescimento da massa tem diminuído, em parte, por conta desse fenômeno. Em virtude de a massa salarial ser um importante condicionante de demanda, pensamos ser útil analisar de que forma o potencial de consumo das famílias brasileiras é afetado em períodos como o atual. Para isso, a Tendências elabora um indicador com base nos pesos de alguns itens que compõem o INPC - índice utilizado pelo IBGE para deflacionar os rendimentos da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do mesmo instituto. O objetivo do indicador da Tendências é avaliar a parcela da renda que as famílias têm à disposição para gastos discricionários.

Entende-se como renda livre para consumo aquela restante após os dispêndios com alimentação e bebidas, aluguel e taxas, combustíveis de uso doméstico, energia elétrica, transporte público, combustíveis para veículos, comunicação (telefonia), produtos farmacêuticos e óticos, serviços com saúde e educação.

Com base nos pesos desses itens no INPC, os cálculos realizados pela Tendências dão conta de que a renda "livre", na média, foi de 30,4% no ano passado. Em 2006, esse valor havia sido de 30,7%. De janeiro a julho deste ano, por sua vez, essa proporção caiu para 29,8%. Na média de 2008 e 2009, esperamos que a parcela da renda livre para o consumo de bens comprimíveis seja de 29,5% e 28,7%, respectivamente. Cabe destacar que a maior contribuição para essa redução esperada do rendimento disponível para gastos discricionários deverá ser dos alimentos. Entretanto, é preciso destacar que a inflação apurada pelos IGPs no primeiro semestre deverá se traduzir em novos aumentos de preços aos consumidores nos próximos meses, sobretudo via reajustes de tarifas públicas.

-------------------------------------------------------------------------------- No restante deste ano e no próximo, a expansão da renda livre para gastos ficará limitada pela evolução dos preços --------------------------------------------------------------------------------

A partir dos pesos dos itens que não representam gastos de primeira necessidade para uma família, é possível obter uma aproximação do valor desse rendimento real médio "livre" dos trabalhadores. Essa renda, de acordo com informações da PME do IBGE, registrou expansão anual acima da renda total entre 2004 e 2006. O mesmo fato pode ser constatado para a massa de rendimentos. A partir de 2007, no entanto, verificou-se um menor crescimento da renda "livre" e da massa de renda dela derivada, evidenciando o impacto exercido pela elevação dos preços dos alimentos (principalmente) sobre a capacidade de consumo dos indivíduos. Em 2004, 2005 e 2006, o rendimento real médio efetivamente recebido apresentou incrementos de, respectivamente, 0,2%, 2,4% e 4,4%, considerando sempre a comparação com o ano anterior. A renda "livre", por sua vez, registrou altas de 2,7% (2004), 4,8% (2005) e 5,5% (2006). Em 2007 e no acumulado dos seis primeiros meses de 2008, por sua vez, enquanto a renda real média apresentou acréscimos de 3,6% e 2,7%, nesta ordem, a "livre" teve aumentos de 2,5% e 0,6%, respectivamente. Apesar de as últimas divulgações dos índices de inflação indicarem algum arrefecimento das pressões altistas nos preços, acreditamos que, para o restante deste ano e o próximo, a expansão da renda livre para gastos discricionários fique limitada pela evolução dos índices de preços.

Cabe destacar que a queda observada nas taxas de crescimento do salário real médio no mercado de trabalho pode ser explicada por outros fatores, como, por exemplo, a renda média dos trabalhadores que estão saindo do desemprego e entrando no mercado de trabalho ser distinta daquela dos que já estavam empregados. Além disso, nada foi considerado a respeito do salário desses trabalhadores que entram no mercado em relação ao seu nível de escolaridade e formalidade, algo que está fora do escopo desta análise.

Além da renda disponível para gastos discricionários, a Tendências elabora também um índice de preços específico para o grupo de itens considerados essenciais e outro para os demais itens que compõem o INPC. A intenção foi a de separar os efeitos da inflação do primeiro grupo dentro do INPC fechado. Diante do exposto anteriormente, era de se esperar que os preços dos itens essenciais apresentassem crescimento maior que o dos demais dentro do INPC. De fato, foi o que aconteceu. Em julho, a elevação em 12 meses dos preços do primeiro grupo foi de 9,0%, enquanto os preços dos demais bens registraram alta de 4,2% (a variação do INPC no período foi de 7,6%). Para 2008 e 2009, esperamos que o INPC dos itens essenciais mostre acréscimos de 7,7% e 5,7%, respectivamente, contra incrementos de 5,9% e 4,8% do grupo dos demais.

Em termos regionais, apesar de a abrangência da PME ser restrita a seis regiões metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), uma análise superficial dos dados permite concluir um efeito mais intenso da inflação sobre as regiões de renda média mais baixa, como as capitais de Pernambuco e da Bahia. Por exemplo, no acumulado de janeiro a julho deste ano, enquanto o rendimento real médio efetivamente recebido apresentou queda de 0,7% em Recife e aumento de 4,4% em Salvador, a renda "livre" sofreu contração de 3,1% na primeira capital e ligeira ampliação de 0,9% na segunda.

Em suma, podemos afirmar que, diante do quadro que se apresenta, é de se esperar que a desaceleração do ritmo de expansão da renda afete a absorção doméstica. Apesar de haver a necessidade de uma análise mais elaborada para mensurar os efeitos da inflação sobre a renda das famílias em diferentes localidades do Brasil, podemos afirmar que a inflação irá produzir um efeito mais perverso sobre as regiões de renda mais baixa.

Alexandre Augusto Seijas de Andrade é economista da Tendências Consultoria Integrada.