Título: A questão dos preços das commodities
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2008, Opinião, p. A11

Uma das questões centrais no debate econômico atual tem sido o comportamento dos preços das principais commodities em uma economia mundial em clara desaceleração. Como sempre ocorre, temos opiniões e certezas para todos os gostos. Os dados históricos nos mostram um crescimento quase monotônico, com aceleração a partir de 2002. Entre o início de 2002 e julho de 2008, o índice CRB Reuters - uma das medidas agregadas das principais commodities - passou de 200 para 475, um aumento de quase 140%. Em agosto, o índice caiu para 395, uma queda de 17%. Para alguns, vai haver uma correção ainda mais forte, revertendo o comportamento dos últimos sete anos. Esta expectativa é uma das forças por trás da impressionante queda do índice Bovespa nas últimas semanas e pelo fluxo de saída dos investidores internacionais.

Para outros analistas, a desaceleração das economias do chamado G7 não será suficiente para compensar o aumento da demanda por petróleo, metais, carvão e outras matérias-primas, que acontece em função do crescimento das economias emergentes. Somente o crescimento da China compensa a redução da demanda da maior economia do mundo. No caso do petróleo, os dados mostram que a queda de cerca de 500 mil barris/dia nos EUA está sendo compensada por um aumento da mesma magnitude no mundo emergente.

O Brasil é visto - com razão - como um dos países que mais se beneficiaram com este longo ciclo de valorização. Afinal, as commodities representam, direta ou indiretamente, cerca de 65% de nossas exportações. Por isto, a evolução destes preços nos mercados é um componente importante de qualquer previsão sobre o que nos espera nestes próximos anos.

Como estamos tratando do comportamento de mercadorias, negociadas diariamente em bolsas de futuro ao longo do mundo, não podemos fugir de uma abordagem microeconômica, considerando-se as velhas forças de mercado. Embora a quase totalidade destes produtos esteja sofrendo o mesmo desequilíbrio entre oferta e demanda, a natureza e as respostas a este desequilíbrio cíclico são bastante diferentes entre eles. Para se ter um quadro mais claro sobre o comportamento de seus preços, é preciso separá-los em pelo menos três grupos distintos. No primeiro está a cadeia energética, com o petróleo sendo de longe seu principal componente. Um segundo grupo é formado pelos produtos agrícolas, principalmente os grãos como o milho, o trigo e a soja. As matérias-primas metálicas e alguns dos produtos delas derivados formam um outro bloco com certa homogeneidade.

-------------------------------------------------------------------------------- Não espero uma mudança radical da demanda na medida em que a elasticidade do consumo no mundo desenvolvido é muito baixa --------------------------------------------------------------------------------

No caso do petróleo, as considerações sobre o equilíbrio entre oferta e demanda são bastante complexas, pois a existência de um cartel como a Opep, a exaustão natural de campos produtivos importantes e o tempo da maturação de novas descobertas tornam difíceis as projeções sobre o comportamento da oferta. Por outro lado, dado o aparecimento de um novo pólo de consumo - China e outras economias emergentes - será necessária uma recessão muito forte no mundo desenvolvido para que o quadro de preços elevados seja alterado. Concordo com as previsões de vários analistas que o melhor cenário que podemos visualizar é a manutenção do intervalo de US$ 100 a US$ 120 o barril.

Já em relação aos grãos o quadro de oferta é mais positivo porque os preços atuais permitem, apesar do incrível aumento dos preços dos fertilizantes e defensivos químicos, supor um aumento expressivo da oferta em tempo relativamente curto. Isto já está ocorrendo com vários produtos como o trigo e o arroz. Existe, entretanto, um limitador importante para o aumento de oferta que é o gargalo no setor logístico - inclusive nos EUA - e que só pode ser vencido em prazo de pelo menos três ou quatro anos. Além disso, em função dos baixos estoques mundiais, o equilíbrio dos preços estará afetado pelo comportamento do clima - principalmente no hemisfério Norte, que é responsável por 85% dos grãos - em momentos importantes do cultivo das próximas safras.

Do lado da demanda não espero uma mudança radical, na medida em que a elasticidade do consumo no mundo desenvolvido - e onde ocorrerá a maior desaceleração do crescimento - é muito baixa. Já no mundo emergente o crescimento da renda faz com que ajustes no lado da demanda também sejam limitados. Portanto, o máximo que podemos esperar será uma estabilização dos preços, embora a volatilidade deva permanecer elevada por conta dos baixos estoques e das incertezas climáticas que sempre ocorrem ao longo do período de safra.

Finalmente, no grupo das matérias primas metálicas, o quadro de oferta e demanda é mais equilibrado e, portanto, mais previsível. A oferta destes produtos é mais estável, pois não é influenciada por cartéis organizados de produtores e as incertezas de clima são muito menores. Também não ocorre a exaustão de fontes importantes de oferta como no caso do petróleo. Mas devemos notar que a expansão da produção tem ocorrido com um aumento significativo do custo marginal, o que coloca um piso relevante nos níveis atuais de preços. Outro fator que tem influenciado a oferta de produtos (como aço e carvão) tem sido o controle de exportação para preservar a oferta em mercados internos importantes. A China e outros países emergentes têm adotado este tipo de restrição, impedindo o livre fluxo de produtos em um mercado mundial apertado.

Resumo da ópera: não consigo visualizar um cenário em que os preços das matérias-primas se reduzam de forma significativa, embora a queda da demanda por conta de um crescimento menor em 2009, e talvez 2010, possivelmente seja suficiente para interromper o movimento explosivo de alta na maioria dos casos. Se estiver certo em minhas previsões, o impacto deste novo equilíbrio sobre as exportações brasileiras será reduzido, prevalecendo por isto a dinâmica atual de investimentos substanciais para aumento de oferta em território brasileiro nos setores de energia, agricultura e metais. No que se refere à inflação, provavelmente teremos uma acomodação a nível global, mas o prazo para que os índices de inflação voltem a níveis aceitáveis pelos bancos centrais mais duros se estenderá pelo ano de 2009.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Passa a escrever mensalmente às segundas.