Título: Lehman Brothers liquida patrimônio e segue seu calvário
Autor: Henry , David
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2008, Finanças, p. C8

David Hendler, da CreditSights: banco ainda pode sofrer um golpe trimestral de US$ 4 bilhões a US$ 6 bilhões O Lehman Brothers poderá ter um aviso esfarrapado e meio apagado com os dizeres "liquidação", pendurado em sua sede em Times Square. Há quatro meses o quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos vem tentando vender ativos - bons e ruins - para permanecer vivo. Ele se desfez de posições avaliadas em US$ 140 bilhões no primeiro trimestre. Agora o Lehman está oferecendo a jóia de sua coroa, a administradora de investimentos Neuberger Berman, e poderá tentar de desfazer de alguns títulos imobiliários comerciais.

A aparência de desespero do Lehman é o tipo de medo mais potente a pairar sobre Wall Street e os mercados de capitais da Europa hoje. Grandes bancos estão se preparando para outra rodada de perdas, que poderá desencadear as maiores vendas de ativos desde o começo da crise de crédito há mais de um ano. O tamanho em potencial das liquidações: cerca de US$ 2 trilhões. O Lehman não quis fazer comentários para este artigo.

Os investidores "abutres" estão levantando volumes recordes de recursos, mas esse dinheiro poderá não ser suficiente para devorar esses ativos. E se esperam encontrar compradores, os bancos poderão se ver forçados a reduzir até o osso os preços que estão pedindo, o que abalaria ainda mais seus balanços.

"Não há dinheiro", diz Joseph Mason, professor da Louisiana State University. "Vamos ver vendas fracassadas."

O medo é que se os bancos não conseguirem vender ativos suficientes, mais firmas seguirão o caminho dos extintos Bear Stearns e IndyMac. Em 27 de agosto, a Federal Deposit Insurance Corp. (FDIC), a autoridade reguladora que supervisiona os bancos nos EUA, informou que o número de instituições em sua chamada lista problemática deu um pique de 30% no segundo trimestre, para 117. "São tempos realmente tenebrosos e a coisa vai piorar mais", afirma Christopher Whalen da Institutional Risk Analytics, empresa de consultoria e estudos.

A situação poderá pressionar o governo federal dos EUA a apressar uma solução ampla, com uma sensação quase retrô. Especialistas bancários começam a falar da necessidade de uma versão atualizada da Resolution Trust Corp. (RTC), o veículo que o congresso americano criou em 1989 para reunir ativos de sociedades de crédito imobiliário falidas e vendê-los de uma maneira ordeira. A RTC foi uma reencarnação da Reconstruction Finance Corp. da época da Grande Depressão.

Os resultados do terceiro trimestre, que as firmas divulgarão nas próximas semanas, poderão compensar a avalanche de vendas. Analistas de crédito da JP Morgan Securities estimam que bancos de todas as partes do mundo terão perdas adicionais de US$ 200 bilhões nesse período, sobre os US$ 500 bilhões que eles já sofreram. Quando a crise de crédito estiver terminado, a contagem total poderá superar os US$ 2 trilhões, segundo estimativas mais pessimistas.

Até agora, os bancos vêm substituindo a maior parte do capital perdido com dinheiro de investidores de fora. Mas esses recursos estão secando. Por exemplo, está ficando mais difícil emitir o tipo de título especial que os fundos de investimento soberanos e outros acharam atraentes quando fizeram grandes injeções de dinheiro no Citigroup, Merrill Lynch e outras instituições financeiras com problemas. Além disso, muitas dessas instituições que se movimentaram antecipadamente estão provocando dores-de-cabeça em seus investidores, uma vez que os valor dos investimentos vem sendo corroído de maneira dramática.

Sem "white knights" (investidores amigáveis que os defendam de tentativas de takeovers), os bancos provavelmente vão recorrer à venda de ativos para manter níveis de capital satisfatórios para as autoridades reguladoras e os credores. Quanta coisa poderia ser vendida? No geral, os bancos comerciais tentam manter US$ 1 de capital para cada US$ 10 em ativos que eles possuem; para os bancos de investimento a relação sobe para cerca de US$ 20. Isso significa que se os bancos e outras instituições financeiras perderem os estimados US$ 200 bilhões no atual período, poderá haver mais ou menos US$ 2 trilhões em ativos à venda, incluindo posses muito estimadas.

Mas a grande venda de propriedades de Wall Street poderá não ser bem acompanhada. Fundos que investem em empresas com problemas, os principais "abutres", já levantaram US$ 70 bilhões nos últimos 18 meses, segundo a Dow Jones Private Equity Analyst. Outros administradores de investimentos podem ter um adicional de US$ 30 bilhões reservados para ativos financeiros. Os vendedores poderão fornecer condições de financiamento generosas que transformariam esses US$ 100 bilhões num poder de compra de US$ 400 bilhões, seguindo pistas deixadas pela Merrill Lynch. No fim de julho, a firma de private equity Lone Star Funds comprou da Merrill Lynch US$ 30,6 bilhões em obrigações de dívida garantidas (collateralized debt obligations, ou CDOs), por US$ 6,7 bilhões. A Merrill financiou 75% do preço de aquisição. Mesmo esticando seus dólares dessa maneira, os abutres e outros investidores oportunistas provavelmente não conseguirão absorver o grande volume de títulos.

Embora os bancos estejam se desfazendo de ativos para evitar uma situação sem saída, eles não estão fazendo o suficiente. Algumas instituições relutam em se desfazer de posições num momento em que os mercados estão fracos. Outras vendas foram compensadas quando os bancos tiveram que lançar de volta os títulos em seus balanços - o que equivale a tentar tirar água de um barco furado com uma esponja. O Citigroup, por exemplo, vendeu seu banco de varejo na Alemanha por US$ 7,7 bilhões para o Crédit Mutuel da França em julho. Um mês depois, o Citi acertou a recompra de até US$ 7,7 bilhões em "auction-rate securities" (instrumentos de dívida de longo prazo cujos juros são determinados em leilão) de clientes, num acordo com as autoridades reguladoras.

Ao tentar deixar seu balanço mais leve, o Lehman tomou a decisão incomum de criar compradores preparados. Este ano, o banco de investimento forneceu capital para alguns de seus ex-operadores de banqueiros, que começaram fundos de hedge na sede do Lehman. Os dois portfólios, R3 Capital Management e One William Street Capital Management, acumularam quase US$ 5 bilhões em investimentos lastreados em hipotecas do Lehman, além de empréstimos corporativos com classificação "junk" e títulos baseados em contratos de arrendamento de equipamentos para treinamento de pilotos de avião.

Isso é pouco comparado ao que o Lehman ainda poderá ter de vender. David A. Hendler, da CreditSights, estima que o banco sofrerá um golpe trimestral de US$ 4 bilhões a US$ 6 bilhões, e que poderá ter de vender cerca de US$ 40 bilhões em ativos. Por ser por isso que o diretor-presidente do Lehman, Richard Fuld, está tentando criar uma entidade independente para comprar títulos imobiliários comerciais, segundo a agência Bloomberg News.

Essas medidas podem estar chegando tarde demais. "A resposta foi se livrar das coisas ruins antes que as pessoas percebessem o quanto a situação estava ruim", diz Brad Golding, gerente de portfólio da Christopherson, Robb & Co. "Não há mercado para muitos desses ativos, de modo que eles estão sendo forçados a vender a prata da família."

Para complicar a situação, os compradores podem estar retraídos - esperando para ver quão tentadoras serão as barganhas, ou temendo que uma oferta de ativos excessiva derrube os preços de aquisições anteriores. Alguns analistas suspeitam que o Lehman pode estar tendo dificuldades para firmar o acordo sobre a Neuberger, uma vez que há especulações de que outras administradoras de investimentos também podem estar à venda, incluindo a do Wachovia. Em público, o Wachovia diz que seu grupo de investimentos não está à venda, mas que vai de desfazer de ativos "não essenciais".

Alguns bancos poderão conseguir evitar a venda de muitos ativos. Novos compradores poderão surgir, como os fundos de pensão. "Com o prolongamento da crise, há mais tempo para as pessoas avaliarem produtos que de outra forma elas nunca pensariam em comprar", diz Anil Kashyap, professor da Graduate School of Business da Universidade de Chicago. Os bancos também cortar despesas. E o Federal Reserve, ao manter os juros baixos, está tornando mais lucrativo absorver o spread, a diferente entre os custos dos empréstimos tomados pelos bancos e as taxas mais altas que eles cobram para emprestar a seus clientes.

No entanto, esse tipo de reabilitação leva tempo - um luxo que muitos bancos não têm hoje.