Título: A Receita Federal brasileira sob nova direção
Autor: Zilveti , Fernando Aurelio
Fonte: Valor Econômico, 01/09/2008, Legislação & Tributos, p. E2
Após um longo período de desastrosa política fiscal, a direção da Receita Federal foi alterada. A nova secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, disse em recente entrevista que estudará aumentar o número de alíquotas do Imposto de Renda, agravando a progressividade do imposto. Ela promete analisar a questão da tributação que hoje grava mais aquele que ganha menos. Parece haver, em princípio, uma mudança de direção em matéria de política fiscal. Também são anunciados avanços da fiscalização, bem como programas de implementação à perseguição do contribuinte. A Receita ainda quer ver aprovada a contribuição social para a saúde - a chamada CSS.
A notícia do aumento da renda do brasileiro também chama a atenção. O rendimento médio do trabalhador cresceu em relação aos anos anteriores. Os expressivos índices de crescimento acima da média combatem a alta taxa de desemprego e com o emprego formal de carteira assinada. Há um notório aumento do número de contribuintes que ultrapassam a faixa considerada de pobreza. Com isso, é crescente a base de tributação direta e indireta, mais sensível na classe média com emprego formal. Justamente a classe média, que responde pela maior fatia da tributação, tem um sentimento de que as recompensas da prosperidade e os avanços do fisco não tiveram efeito efetivo sobre eles. O contribuinte brasileiro não vê, afinal, sentido para tanta tributação.
Não se leva em conta, na política fiscal nacional, aquilo que concerne ao tributo como objeto de expropriação, de dominação, de indução, de fiscalização, de participação social e, mais recentemente, de redistribuição de riquezas. Se verdadeira a retórica da redistribuição, como o contribuinte não percebe isso? De qual participação social toma parte, afinal, o contribuinte?
O único propósito do tributo é produzir receita para o Estado. Todos, inclusive os pobres, devem pagar tributos. William Kennedy, celebrado financista do século XIX, dizia que os tributos deveriam ser distribuídos na proporção direta da renda. O método razoavelmente adequado de atingir esse objetivo seria através de um sistema tributário compensatório. Cada tributo poderia até mesmo ser injusto se analisado isoladamente, porém essa injustiça seria compensada com outra, que a cancelaria. O Imposto de Renda deveria recair sobre a classe média e rica, jamais sobre a pobre. Os tributos aduaneiros recairiam sobre um determinado número de contribuintes que praticassem importação de mercadorias. O patrimônio seria gravado para atingir aqueles contribuintes de posses. Os tributos sobre operações financeiras, por seu turno, atingiriam somente aqueles que navegassem por aquele mercado. A tributação sobre o consumo tenderia a atingir a todos indistintamente, porém, com maior vigor, proporcionalmente, sobre aqueles de menor renda.
-------------------------------------------------------------------------------- Na última década priorizou-se o tributo indireto, embutido no preço e pouco visível ao contribuinte --------------------------------------------------------------------------------
Infelizmente o sistema de compensações sugerido por Kennedy não foi levado adiante pelo fisco. Embora a tributação da renda não seja novidade entre contribuintes brasileiros, é sistematicamente preterida. Prioriza-se a tributação sobre o consumo. Integram o sistema tributário brasileiro os tributos diretos, que incidem sobre a renda e o patrimônio, e os tributos indiretos, que incidem sobre o consumo. Ademais, o fisco tributa quase 100% a mais a produção do que a média dos demais países, o que também reflete sobre o consumo.
Os tributos diretos são essencialmente o IR, o INSS, o IPTU, o ITR e o IPVA. Os indiretos são basicamente o ICMS, o IPI, a Cofins, o PIS e a Cide. O impacto regressivo dos tributos indiretos é mais sentido sobre os pobres. Na última década priorizou-se o tributo indireto, embutido no preço e pouco visível ao contribuinte. Os últimos dois governos complicaram ainda mais o sistema, com uma enxurrada de normas e regulamentos, especialmente para os tributos indiretos. O resultado é que os pobres comprometem muito mais sua renda do que os ricos.
Presente na legislação imperial, o Imposto de Renda foi, de fato, posto em vigor no primeiro terço do século XX. Dizia-se que o contribuinte brasileiro não tinha renda e que seria inútil gravar somente um punhado de aquinhoados. A história brasileira não rebate essa teoria, principalmente se for analisada a ocupação demográfica do país e a evolução econômica. Já é tempo de implementar a tributação mais efetiva sobre a renda. A renda é a melhor expressão de riqueza.
Não é o caso, porém, de aumentar excessivamente a progressividade ou o número de alíquotas. Isso seria um atentado à eficiência fiscal. A Alemanha, por exemplo, tem três alíquotas de Imposto de Renda, entre 22,9% e 53% do rendimento anual do contribuinte. Isso torna o imposto mais efetivo para aqueles de maior renda. Os países europeus, os Estados Unidos e o Japão preferem trabalhar com um número reduzido de alíquotas e poucas deduções. Adotaram a praticidade fiscal e simplicidade normativa. Sugere-se, então, que a reforma tributária brasileira siga os moldes internacionais. A sociedade civil espera que a nova direção de Receita Federal ponha seu foco nisso.
Fernando Aurelio Zilveti é advogado, mestre em direito constitucional e doutor em direito tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), professor da Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT)
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