Título: Educação: o próximo passo
Autor: Stefani , Patricia
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2008, Opinião, p. A12

O desempenho dos alunos brasileiros nos testes de proficiência internacionais tem sido uma sistemática e desagradável surpresa. Mas isso importa? Deveria. Um estudo recente de Hanushek e outros compatibilizou e colocou em uma escala única todos os testes internacionais de desempenho em ciências e matemática, dentre os quais se inclui o Pisa, no período que compreende 1960-2000, para mais de 50 países. Utilizou essa medida de habilidade cognitiva para estudar a relação entre capital humano e crescimento. Mostrou, controlando tanto pela quantidade (escolaridade média), como pela qualidade (desempenho nos testes), que esta medida tem um forte impacto sobre o crescimento econômico subseqüente, explicando 75% da diferença de crescimento entre países (este número era de apenas 25% quando o controle era feito somente pela quantidade). O resultado, além de ser robusto à inclusão de outros controles, apresenta evidências de que a causalidade se dá da educação para o crescimento.

O desempenho do Brasil na amostra de países construída pelos autores é bastante preocupante. Nosso desempenho supera apenas o da Tunísia, Albânia, Gana e África do Sul. Além disso, 66% dos alunos brasileiros que participaram dos testes podem ser considerados analfabetos funcionais, número inferior apenas ao do Peru (87%) e da Arábia Saudita (67%). Claramente, existe um problema. O futuro de um país onde 66% dos jovens podem ser considerados analfabetos funcionais é, no mínimo, assustador.

Mas, o que fazer? Infelizmente para alguns, a solução não passa nem pelo aumento dos recursos destinados à educação, nem pelo aumento do salário dos professores. Embora estas sejam as saídas mais "populares", e as mais fáceis de serem implementadas, a literatura mostra que este tipo de medida é muito pouco efetiva e tem um custo relativo muito superior. O Brasil não gasta pouco. Gasta mal. Em primeiro lugar, é preciso que se crie um sistema de responsabilidade onde esteja claro quem irá responder pelo desempenho dos alunos, um sistema de incentivos onde se recompense os bons professores e se puna os ruins, não só no sentido daqueles que não contribuem para a melhora do desempenho, mas também daqueles que desperdiçam dinheiro público ao não cumprirem o mínimo da tarefa pela qual são pagos, que é comparecer à sala de aula.

Em segundo lugar, é preciso que o debate seja dirigido de forma objetiva e pragmática. A discussão sobre as reformas educacionais no Brasil, infelizmente, tem se restringido a avaliar as experiências internacionais na linha do "por um lado isto, por outro, aquilo", com poucas propostas concretas. Além de compreender o que deu certo e o que deu errado nos outros países, o Brasil precisa pensar na implementação de seus próprios programas focalizados, sob pena de nunca sabermos o que pode ser feito, em larga escala, para melhorar o desempenho educacional no Brasil.

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Reduzir o número de alunos por sala de aula, medida freqüentemente evocada, por exemplo, não tem impacto significativo sobre o desempenho dos alunos, além de ser extremamente custosa. Um estudo em Woessmann e Peterson corrobora este resultado da literatura, salvo em uma condição: em países onde o nível dos professores é muito baixo. Quando a qualidade dos mesmos é crítica, esta medida pode se tornar eficaz. Talvez seja esse o nosso caso. Mas como saber, a priori, qual a política apropriada ao Brasil?

Outro exemplo são os vouchers, para que crianças de baixa renda possam estudar em escolas privadas, e também, as chamadas "charter schools", escolas que funcionam com recursos públicos, mas que têm maior autonomia e liberdade de gestão, tendo, como contrapartida, que incorrer numa maior "prestação de contas" sobre o desempenho dos alunos. Ambos os arranjos visam não só aumentar a competição entre as escolas, mas também ampliar o conjunto de escolhas que os pais têm para matricularem seus filhos.

Nos EUA, as evidências mostram que esse tipo de política, para um dado nível de gasto educacional, aumentou a produtividade não só das escolas que operavam sob este sistema, mas também gerou efeitos sobre as escolas públicas que continuaram operando sob o sistema tradicional. Será que isso funcionaria no Brasil? Existem, por exemplo, inúmeros programas na linha de experimentação aleatória que foram feitos em diversos países, desde Estados Unidos e Inglaterra, até Índia e Quênia, passando por Colômbia e Chile, tanto pelo governo, como em parceria com a iniciativa privada. Obviamente, existem casos de insucesso em alguns países e circunstâncias, mas isso não implica que o melhor que temos a fazer é deixar como está.

As discussões por aqui se restringem a comentar o fato de que as evidências do sucesso do programa chileno não são tão claras, ou ainda que a iniciativa deu certo em alguns Estados americanos, mas não em todos. O que precisamos é aproveitar a experiência internacional para que não se repitam os erros de desenho e implementação destes programas. É preciso dar o próximo passo: criar, implementar e estudar programas de caráter experimental, para avaliar seus resultados no Brasil. Só assim é que poderemos aumentar a eficiência das políticas educacionais brasileiras e separar, de modo mais eficiente, o que funciona daquilo que não gerará resultados.

Existem diversas formas de criar programas que envolvam as questões discutidas, de modo a tornar possível a avaliação dos resultados e direcionar as políticas públicas, mas o Brasil precisa encontrar as suas próprias respostas. É hora de dar o próximo passo.

Patricia Stefani é mestre em economia pela Universitat Pompeu Fabra e colaboradora da Idéias Consultoria. (patricia.stefani@gmail.com).