Título: Indonésia busca caminho para voltar a ser tigre
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2008, Especial, p. A14

A Indonésia era um dos "tigres" econômicos mais promissores até ser atingido em cheio pela crise financeira asiática em agosto de 1997. O PIB caiu 14%, grandes bancos e muitas empresas faliram, a bolsa de Jacarta perdeu 91% do seu valor, a moeda desmoronou frente ao dólar americano. Milhões de pessoas perderam o emprego e as revoltas de ruas defenestraram do poder o general Suharto, que dirigiu o país com mão-de-ferro por 32 anos.

Onze anos depois, esse que é o quarto país mais populoso do mundo mostra recuperação econômica desde 2004 e transição democrática. O crescimento é estimado em 6,8% para este ano, o consumo privado aumenta apoiado por forte criação de crédito, as exportações se beneficiaram da alta dos preços de commodities, e o país se prepara para nova eleição presidencial direta.

Mas alguns problemas voltam a confrontar a grandeza e os limites desse país situado num arquipélago de 17.508 ilhas, com 300 grupos étnicos, que se tornou independente da Holanda em 1949 e é rico em commodities como gás natural, níquel e óleo de palma.

A crise de alimentos e do petróleo trouxe o temor de inflação alta, os juros subiram, os investimentos restam abaixo do que ocorre nos países vizinhos e o desemprego continua elevado.

Sobretudo, a crise energética piorou e afasta investimentos estrangeiros. Os freqüentes blecautes nas zonas urbanas atingem agora a indústria. O governo força indústrias próximas da capital, Jacarta, a paralisarem a produção por dois dias, entre segunda e sexta-feira. Mais de 400 companhias japonesas, incluindo produtores têxteis a agrícolas, ameaçaram abandonar o país.

A Indonésia é muito dependente de petróleo (51% da energia primária), mas sua produção declina desde meados dos anos 90 por causa de tecnologia sucateada e falta de investimentos. O orgulho nacional sofreu um golpe com o anúncio de retirada do país da Opep, o cartel do petróleo, já que se tornou de fato importador líquido do combustível.

Além disso, a Indonésia é o maior produtor mundial de carvão término, usado na geração de um terço da energia do país, mas aproveita menos do que podia. A PNL, companhia estatal de eletricidade, só paga US$ 80 por tonelada, e os produtores locais preferem exportar a mais de US$ 100/t.

Por enquanto, as tentações de aumentar a exportação de gás para o Japão, a preço quatro vezes maior, tem sido freadas por temor de revoltas populares em várias regiões do país.

Nesse cenário, o governo do presidente Susilo Bambang Yudhoyono, um antigo general que espera ser reeleito no ano que vem, se equilibra entre aumentar investimentos e não mexer em caixas de marimbondo - como a subvenção aos carburantes e à eletricidade, que representam 20% das despesas do governo federal, mesmo depois de redução que provocou protestos de ruas no primeiro semestre.

Projetos bilionários em infra-estrutura (energia, transportes etc) anunciados pelo governo vão depender sobretudo do setor privado, que justamente arrasta os pés na conjuntura atual.

O presidente Susilo resolveu fazer um grande teste de parceria público-privado utilizando a crise alimentar e do petróleo para atrair petrodólares de monarquias do Oriente Médio.

Um dos objetivos é substituir parte do dinheiro que os indonésios de origem chinesa tiraram do país na crise financeira de 1997. Na época, a fuga de capital para a vizinha Cingapura, a uma hora de avião, chegou a US$ 13 bilhões. Até hoje, o dinheiro volta a conta gotas. Parte da elite chinesa prefere fazer a ponta aérea entre Jacarta e Cingapura.

O projeto agrícola de parceria público-privada envolve 1,6 milhão de hectares na pobre província de Papua, para produção de arroz, soja e cana de açúcar, que o governo espera colocar em marcha até o final do ano.

A base do negócio é nova e causa polêmica: o investidor estrangeiro coloca centenas de milhões de dólares no projeto e em contrapartida leva para casa uma parte da colheita. Na prática, aluga terra para produzir fora de casa o que necessita. Obtém direitos de cultivo por 95 anos e isenção ou redução de impostos.

A Arábia Saudita, maior importadora de alimentos no Oriente Médio, foi a primeira a assinar um pré-acordo com a Indonésia. Dubai e outras petromonarquias examinam sua participação.

O Ministério da Agricultura estima o projeto entre US$ 5 bilhões e US$ 15 bilhões, já que Papua quase não tem infra-estrutura. Estão previstos a construção de 700 quilômetros de grandes estradas, outros 1.500 quilômetros de conexão entre vilarejos, três portos, 400 quilômetros de irrigação, usina elétrica potente etc.

Segundo o ministro da Agricultura indonésio, Anton Apriyantono, o plano de investimentos totais de US$ 20 bilhões na agricultura entre 2005-2010 só pode se realizar com a grande maioria dos recursos vindos do setor privado - e, nesse caso, sobretudo do estrangeiro.

Uma das vozes mais influentes no país a se elevar contra foi o ex-ministro de agricultura Bungaran Saragih. "É a primeira vez que a agricultura tem grandes perspectivas, e não tem sentido trazer dinheiro árabe para isso", afirmou. "A crise atual não é da agricultura, é do consumidor. Nossa agricultura não precisa de muito investimento. O que precisamos é combater a corrupção, utilizar os recursos de que dispomos para melhorar a produtividade e garantir a segurança alimentar."

Em entrevistas num calor terrível, com o ar-condicionado desligado e a água servida opulentíssima, técnicos do Ministério da Agricultura disseram que um problema é que os agricultores só querem produzir óleo de palma e milho, as colheitas mais lucrativas, em detrimento do arroz, o prato básico da população. Os indonésios só consomem menos arroz do que os vietnamitas.

Notaram também que o governo gasta muito com subsídios para fertilizantes e sementes para os agricultores, mas não sabe se a ajuda alcança os agricultores que realmente necessitam. A suspeita é de que fertilizantes são exportados ilegalmente, refletindo um nível de corrupção que vem do sistema Suharto.

Em 32 anos de poder, o sanguinário general Suharto cultivou um gigantesco sistema de corrupção e favoritismo, mas o principal beneficiário foi ele mesmo. O Banco Mundial calcula que ele roubou entre US$ 15 bilhões e US$ 35 bilhões dos cofres públicos.

O governo evita atacar esse problema de frente, porque muita gente que continua no poder participou da roubalheira. Existe uma Comissão de Erradicação de Corrupção, conhecida como "kpk", mas só pega "bagrinhos". Suharto morreu este ano sem prestar contas à Justiça. Sua família continua no centro da sociedade, incluindo o filho empresário, as filhas bilionárias e a esposa , conhecida como "madame 50%", o valor da comissão que cobrava.

Em meio a impunidade, analistas em Jacarta dizem que antes a corrupção era "centralizada". Hoje, dizem eles, ela é "democraticamente propagada".

É nesse contexto que a Indonésia quer fazer duas coisas ao mesmo tempo: salvar suas florestas e defender os interesses da indústria de óleo de palma, do qual é o maior produtor mundial.

O governo tem projeto de captar ajuda financeira para projetos ambientais e agita suas diplomacia para isso. O general Susilo prometeu as maiores economias do planeta, reunidos no G-7, de participar plenamente do combate a mudança climática.

Na prática, as vastas plantações de palma avançam em terras até então protegidas pelo Estado, para atender a crescente demanda internacional pelo produto que serve para alimentação e para cosméticos (detergentes, sabão, batom etc).

O desmatamento da floresta é real com a expansão dessa plantação, acusa a ONG Walhi, em Jacarta. O tamanho da terra destinada a plantação aumentou 120% nos últimos anos, em meio a corrupção nas autorizações.

O uso excessivo de fertilizantes químicos destrói a "peatland". A produção de gases que provocam o efeito-estufa é gigantesca, inclusive em comparação ao que se passa na Amazônia.

Somente um projeto desenvolvido pela China pesa US$ 7 bilhões, para produzir óleo de palma e madeira para móveis, a um custo considerável para o meio-ambiente, de acordo com acusações de ambientalistas em Jacarta.

O ex-ministro Bungaran Saragih minimiza e diz que isso é "besteira". Insiste que a plantação representa apenas 3% da terra agrícola. "Isso tudo é campanha dos produtores de soja, que não podem concorrer com óleo de palma". Segundo ele, a produção de palma alcança 8 toneladas por hectare, enquanto a de soja fica pela metade.

Se os projetos ambientais do governo carecem de credibilidade, a situação é um pouco diferente na área social com um programa inspirado do "bolsa família" brasileira. O governo distribui a 40% da população cerca de 500 mil rúpias por mês, equivalente a US$ 55, para alimentação. Essa ajuda será mantida no futuro próximo, até em razão da eleição presidencial do ano que vem, quando o general Susilo terá como principal rival sua oponente em 2004, a ex-presidente Megawati Sukarnoputri.