Título: Dinheiro na mão
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2008, Pequenas & Médias Empresas, p. F1
Não faz muito tempo. Quando o assunto era crédito, bancos e pequenas empresas no Brasil travavam uma conversa de surdos. Os bancos se queixavam que o risco do empréstimo a este público era alto. A contabilidade dos pequenos empresários ficava a desejar, a informalidade nos negócios era grande e dificilmente o pequeno empreendedor possuía garantias adequadas a oferecer. Por outro lado, os pequenos empresários criticavam a burocracia excessiva dos bancos, a falta de flexibilidade na análise do risco e, é claro, o alto custo dos empréstimos bancários. Era melhor recorrer direto a um agiota.
Nos últimos dois anos esta situação começou a mudar. Micro, pequenas e médias empresas ganharam relevância na estratégia dos principais bancos do país. As instituições financeiras criaram estruturas dedicadas a este público e lançaram novos produtos. A exigência de garantia foi substituída por produtos lastreados em recebíveis, como duplicatas, cheques e cartões. O resultado desta mudança de atitude já pôde ser verificado na demonstração financeira dos bancos relativas ao primeiro semestre de 2008. Os empréstimos bancários aos pequenos empresários registraram um crescimento expressivo.
No Bradesco, a parcela da carteira de crédito destinada aos micro, pequenos e médios empresários alcançou o montante de R$ 48,86 bilhões, num crescimento de 47,2% em 12 meses. No Itaú, o crescimento foi de 66,2%, alcançando R$ 29,8 bilhões; enquanto na Caixa Econômica Federal 93% das operações de crédito, que totalizaram R$ 9,5 bilhões, foram com pequenos empreendedores. No HSBC, a carteira de crédito para micro e pequenas empresas somou R$ 3,13 bilhões, crescendo 25,4% em um ano, e os negócios com as médias empresas subiram 38%, totalizando R$ 6,25 bilhões. Já no Banco do Brasil, o volume de crédito para micro e pequenas empresas chegou a R$ 29,1 bilhões, um total 36,7% superior ao registrado no mesmo período de 2007.
Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), avalia que dois fatores estão impulsionando a expansão dos bancos no segmento de pequenas empresas. O primeiro é o crescimento econômico, que reduz o risco associado aos empréstimos. O segundo fator é decorrente da queda nos últimos anos da taxa de juro básica da economia, a Selic, que foi reduzida de 19,75% ao ano em setembro de 2005 para 13% ao ano em julho de 2008 (antes que o Banco Central retomasse o processo de elevação, para combater a inflação). "Os bancos aplicavam seus recursos livres em títulos do governo. Com a queda da Selic, tiveram que buscar alternativas, ampliando suas carteiras de crédito. Os empréstimos para pequenos empresários são os que apresentam melhor rentabilidade", diz o executivo.
Segundo Oliveira, que coordena mensalmente a pesquisa de juros da Anefac, enquanto o custo do crédito para as grandes empresas varia de 1,20% a 1,50% ao mês e entre as médias empresas de 1,80% a 2,80%, as pequenas pagam taxas que variam de 3,50% a 5,60% ao mês. "O crédito chegou aos pequenos empresários, é um avanço. Mas o custo ainda é muito alto", avalia o executivo.
Oliveira, porém, acredita que a disposição dos bancos em disputar esse nicho de mercado tende a proporcionar uma queda no preço do crédito no longo prazo, apesar das recentes elevações da Selic pelo Banco Central. "Mas, para pagar menos, o empreendedor também precisa apreender a pesquisar e negociar", diz. O executivo observa que o pequeno empresário ainda tem uma atitude tímida diante dos bancos, consulta crédito apenas onde mantém sua conta corrente e não usa ativos, como sua folha de pagamentos, como uma moeda de negociação.
Os bancos, por sua vez, não poupam esforços para entender a lógica operacional de seus novos clientes preferenciais e assim desenvolver estruturas de atendimento especializadas e produtos compatíveis. Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, por exemplo, estabeleceram parcerias com o Sebrae para capacitar gerentes especializados em atender empreendedores. As três instituições também desenvolveram estratégias para aproximar-se de empresários ligados a Arranjos Produtivos Locais (APLs). Altair de Souza, diretor de pessoa jurídica da área de varejo do Bradesco, informa que o banco, que possui parcerias com 173 APLs, disponibiliza linhas de crédito com custo até 30% menor nestes casos. "São empresas engajadas em processos de capacitação empresarial e que se organizam para realizar ações conjuntas, apresentam, portanto, menor risco de inadimplência", avalia.
Já o Banco do Brasil, presente em 160 Arranjos Produtivos Locais, lançou em julho uma linha exclusiva de capital de giro para apoiar empresas com faturamento anual de até R$ 2,4 milhões participantes de APLs. O prazo de pagamento é de até 24 meses, com carência de três meses e juros de TR (Taxa Referencial) mais 1,75% ao mês.
Outra ação em comum entre os três bancos é a atuação como agentes operadores do Cartão BNDES, uma linha de crédito pré-aprovado de até R$ 250 mil voltado para investimentos de pequenas empresas. A taxa de juro é de 1,21% ao mês e o pagamento em 36 parcelas fixas, sem exigência de garantias. Desde 2003 foram emitidos 141 mil cartões e a soma de transações alcançou R$ 1,34 bilhão, sendo R$ 438,56 milhões apenas no primeiro semestre de 2008.
Altair de Souza relata que uma preocupação do Bradesco é desburocratizar a relação com os clientes. Um passo importante nesse sentido é a decisão de transferir para as agências a decisão sobre empréstimos, agilizando as iniciativas. Outra ação é o lançamento de linhas de crédito pré-aprovadas para capital de giro. O Banco do Brasil, informa José Carlos Soares, diretor de micro e pequenas empresas, também trabalha para agilizar seu atendimento. Um recurso em implantação é o software de gerenciamento financeiro, que permitirá ao empresário acessar, de seu escritório, todos os serviços oferecidos pelo banco. "Só não será possível sacar dinheiro", brinca Soares.
Na Caixa Econômica Federal o foco no empreendedorismo ganhou fôlego após a criação da vice-presidência de pessoa jurídica em 2007, relata o superintendente nacional de pequenas empresas, Zaqueu Soares Ribeiro. Uma estratégia do banco é a atuação em nichos de mercado por meio de convênios com entidades representativas setoriais. "Já temos parcerias com os segmentos de turismo, franquias e construção civil", diz Ribeiro.
A atuação do Itaú no segmento de pequenas e médias empresas também é recente. Veio com a aquisição do Bank Boston, no fim de 2006. "Desde então estamos investindo em pessoal dedicado a atender esse cliente, profissionais que entendam suas necessidades e desenvolvam produtos específicos", diz o diretor de controladoria Silvio Carvalho.
Já o HSBC optou por segmentar seu relacionamento com os pequenos empresários, dividindo-os em três categorias, de acordo com o faturamento. Cada segmento conta com infra-estrutura de atendimento própria, equipe dedicada e produtos específicos. Os gerentes de atendimento têm a missão de periodicamente contatar seus clientes, detectar problemas e apresentar soluções especificas. "É um atendimento em massa, mas com características customizadas, com produtos moldados para o perfil do cliente", diz Daniel Zabloski, diretor de pequenas e médias empresas do HSBC.
Zabloski relata que o banco também investe na agilidade e desburocratização da relação com o cliente. Em julho, por exemplo, o HSBC lançou um sistema de análise de linhas de antecipação de recebíveis onde o gerente, na hora, informa ao cliente a aceitação ou não da solicitação e a operação da carteira aprovada pode ser feita pelo cliente, via internet. Outra estratégia é o desenvolvimento de novos produtos. Nesta semana, o banco lançou a linha Capital de Giro 13º . O produto garante até 100% da folha do 13º salário para empresas com faturamento anual de R$ 500 mil a R$ 10 milhões. O tomador tem uma carência de 90 dias e o pagamento parcelado em até 12 parcelas.
O Santander não revela a participação das pequenas empresas em sua carteira de crédito. Segundo o superintendente de business Ede Viani, os financiamentos para este público cresceram 50% nos últimos doze meses, movidos por uma política de constante inovação em produtos. No ano passado, por exemplo, o banco lançou uma linha de financiamento de 13º salário com prazo de 18 meses. A novidade ficou por conta de um prêmio adimplência. Quem paga em dia é perdoado da última parcela. Para o segundo semestre deste ano, Viani informa dois lançamentos que ainda não estão detalhados: uma linha de financiamento de equipamentos de informática e outra para investimentos em expansão. "Além de financiar capital de giro, vamos oferecer crédito compatível para quem quer investir", diz Viani.