Título: União acelera gastos no 2º semestre
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/09/2008, Brasil, p. A4

Depois de um primeiro semestre de crescimento relativamente moderado dos gastos públicos, o governo federal aumentou com força as despesas não financeiras em julho, colocando mais lenha na fogueira da demanda. Elas avançaram 22,5% na comparação com o mesmo mês do ano passado, com destaque para a disparada dos gastos com pessoal e custeio e capital (onde se encontram os investimentos). Números da organização Contas Abertas mostram ainda que os investimentos federais ligados ao Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) atingiram

R$ 1,668 bilhão em agosto, o maior do ano, só superado pelos R$ 2,2 bilhões de dezembro de 2007.

Se o ritmo de aumento de gastos observado em julho se repetir nos próximos meses, a política fiscal no segundo semestre será bem mais expansionista do que a registrada no primeiro. Num momento em que o Banco Central (BC) promove um ciclo de alta de juros para conter a demanda, não é exatamente uma boa notícia.

Os especialistas em contas públicas esperavam uma aceleração dos gastos públicos no segundo semestre, mas a magnitude da alta em julho foi surpreendente. As despesas com pessoal, que de janeiro a junho subiram 7,7% em relação ao mesmo período de 2007, avançaram 17,2% em julho, levando o acumulado no ano a 9,3%. Os gastos de custeio e capital aumentaram 45% em julho, muito mais que os 11,8% no primeiro semestre. A alta no ano atingiu 17,4%.

"O crescimento das despesas federais nos sete primeiros meses do ano ficou em 11,8%, ainda abaixo da expansão do PIB nominal no período, de 12,9%, mas a alta em julho foi muito forte", diz o economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero. No primeiro semestre, as despesas totais cresceram 9,8%. Ele afirma que já "imaginava" que os gastos com pessoal subiriam no segundo semestre, devido a aumentos salariais que entrariam em vigor, mas não na intensidade "anunciada nas programações de gastos e que julho parece de fato indicar". Ele também não esperava uma expansão tão acentuada dos gastos com custeio e capital. "Tamanha aceleração em despesas discricionárias (aquelas sobre as quais o governo têm maior controle) surpreende, mesmo que, em parte, possa estar vinculada ao calendário eleitoral."

O ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander, diz que já tinha ocorrido uma alta mais forte dos gastos no segundo trimestre. Para ele, dada a perspectiva de gastos elevados nos próximos meses, as despesas não financeiras do governo federal no acumulado de 2008 deverão ficar um pouco acima dos 17,7% do PIB de 2007, excluindo as transferências para Estados e municípios.

Com o crescimento mais moderado no primeiro semestre, esses gastos tinham ficado em 17,4% do PIB nos 12 meses até junho. Em julho, porém, o número já subiu para 17,6% do PIB, nessa mesma base de comparação, diz Schwartsman. "Com o impacto dos reajustes salariais e a folga da arrecadação dando fôlego às outras despesas de custeio e capital, veremos a despesa voltando à casa dos 18% do PIB", afirma ele, para quem essa política fiscal mais expansionista estimula mais a demanda. O resultado, segundo ele, são juros mais altos.

Montero apostava que os gastos da União como proporção do PIB ficariam em 2008 um pouco abaixo do observado em 2007, mas reconhece que o comportamento das despesas em julho contesta essa expectativa. No entanto, ele vai esperar os números de agosto para definir se muda a sua projeção.

Dentro da rubrica custeio e capital, os gastos com investimentos têm aumentado significativamente. De janeiro a julho, o total investido pela União ficou em R$ 12,865 bilhões, 48,6% superior ao mesmo período de 2007. Números da Contas Abertas indicam que as inversões federais exclusivamente ligadas ao PAC também aumentam bastante, ainda que, em valores absolutos, representem uma parcela pequena dos gastos não financeiros da União. Em agosto, eles ficaram em R$ 1,668 bilhão, 46,9% a mais do que no mês anterior. No primeiro momento, essas despesas estimulam a demanda agregada, mas, uma vez maturados esses investimentos, há uma ampliação da capacidade produtiva.

Mesmo com a perspectiva de aumento de gastos do governo federal no segundo semestre, a aposta dos analistas é de que a meta de superávit primário do setor público (receitas menos despesas da União, Estados, municípios e estatais, exceto gastos com juros) de 4,3% do PIB será obtida sem grandes dificuldades. Há quem acredite que o saldo deverá ficar entre 4,5% e 5% do PIB, como o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges. Com o forte crescimento da economia, a arrecadação segue a todo vapor. De janeiro a julho, as receitas totais da União aumentaram 17,7% na comparação com os sete primeiros meses de 2007. Isso ajudou o setor público a obter um superávit primário de 6% do PIB no período, ou 4,8% do PIB em termos dessazonalizados, segundo Borges.

Ele é menos pessimista quanto à evolução das despesas do governo federal no segundo semestre. Para Borges, o resultado de julho não pode ser tomado como parâmetro para o resto do ano. O economista nota que os gastos com pessoal representam uma fatia menor (4,44% do PIB de janeiro a julho) das despesas totais do que os relacionados aos benefícios previdenciários (6,54% do PIB no mesmo período), que vêm crescendo a um ritmo bem inferior ao da folha de pagamento do funcionalismo. Em julho, os gastos com aposentadorias aumentaram 6,9% sobre o mesmo mês do ano passado. Neste mês, os aposentados vão receber a primeira parcela do 13 salário, o que vai aumentar a quantidade de dinheiro em circulação, mas sem provocar um salto muito grande em relação aos gastos para esse fim registrados em setembro de 2007. O ponto é que desde 2006 há antecipação do pagamento do 13.

Montero trabalha com um superávit primário em torno de 4,5% a 4,6% do PIB em 2008, "por achar que as programações anuais orçamentárias da União não serão alcançadas". A questão é que os "números de julho desafiam tal cenário", diz ele: a possibilidade de um superávit bem acima da meta fica na dependência de novas surpresas no lado das receitas. Montero aponta, porém, um fator que pode ajudar na obtenção de um esforço fiscal elevado para o setor público - depois de um primeiro semestre de gastos muito fortes, Estados e municípios devem moderar as despesas, por conta de restrições ligadas à legislação eleitoral.