Título: Potências em alerta
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 08/03/2011, Mundo, p. 14

Revolta no Oriente Médio Morador de Ras Lanuf (leste), Abdo, 59 anos, está cansado de tanta selvageria. Na noite de sábado, o médico líbio testemunhou o massacre de uma família inteira, em uma localidade a 50km de Bin Jawad. ¿O casal e os filhos foram executados apenas por não permitirem a entrada dos soldados em sua residência¿, afirmou ao Correio, por telefone. Segundo ele, as tropas do ditador Muamar Kadafi obrigam os moradores a permitir que francoatiradores se posicionem nos telhados de suas casas. Quem resiste morre com os parentes. ¿Eu espero que os Estados Unidos e outros países façam algo contra essa catástrofe. Talvez os americanos deem armas aos revolucionários. Tomara que isso ocorra¿, desabafou o líbio, que teme ser identificado pelo sobrenome. O presidente dos EUA, Barack Obama, voltou ontem a não descartar uma ação militar na Líbia e tentou desestabilizar o governo de Kadafi. ¿Eu quero enviar uma mensagem bastante clara a aqueles que estão ao redor do coronel Kadafi: são eles que devem escolher como atuarão no futuro, e eles terão de prestar contas por qualquer ato de violência¿, declarou.

O mesmo tom de alerta foi adotado por Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). ¿Se Kadafi e suas forças militares continuarem atacando sistematicamente a população, não posso imaginar que a comunidade internacional fique somente olhando¿, comentou, ao admitir a ocorrência de crimes contra a humanidade na Líbia. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, revelou que uma invasão terrestre ao país ¿não figura no topo da lista de alternativas¿. ¿A possibilidade de fornecer assistência militar aos rebeldes está sobre a mesa¿, anunciou. ¿Eu acho que seria prematuro enviar um bando de armas para uma caixa postal no leste da Líbia¿, acrescentou, indicando que qualquer decisão exigirá uma análise minuciosa. Obama admitiu manter consultas com a Otan, em Bruxelas, sobre um grande leque de ações para lidar com Kadafi, ¿incluindo opções militares em potencial¿.

Opções De acordo com reportagem do New York Times, a Casa Branca teria pedido a analistas de defesa que preparassem uma série de estratégias militares. Citando fontes anônimas do governo, o jornal afirma que o uso de interferência dos sinais de aviões no espaço aéreo internacional confundiria as comunicações de Trípoli com as unidades militares. A invasão por terra, com a 26ª Unidade Expedicionária da Marinha, seria uma opção. Outros cenários incluiriam a inserção de pequenas equipes especiais de operações para ajudar os rebeldes e o fornecimento de armas à insurgência.

A Rússia se opõe a qualquer intervenção externa. ¿Não consideramos a ingerência estrangeira, em especial militar, como um meio para resolver a crise na Líbia¿, afirmou o chanceler Serguei Lavrov. O secretário de Defesa norte-americano, Robert Gates, tratou de pôr panos quentes. ¿Faremos o que o presidente decidir, mas creio que, atualmente, é senso comum que qualquer ação deve ser resultado de uma sanção internacional prévia¿, defendeu, durante visita a Cabul.

Questionado sobre se apoiaria uma intervenção militar estrangeira em seu país, o engenheiro Ahmed, 47 anos, ficou em cima do muro. ¿É uma decisão muito difícil, pois nenhuma nação gostaria de sofrer interferência em seus assuntos, sabe? Talvez eu apoiasse uma zona de exclusão aérea, mas não a presença de tropas¿, disse ao Correio o morador de Misrata, 150km a leste de Trípoli. Ele contou que a atmosfera ontem era de uma ¿espera tensa¿, após um fim de semana de pesados combates. ¿Soubemos que duas brigadas de Kadafi estão vindo para a cidade e, por isso, esperamos pelo pior.¿ Segundo Ahmed, no domingo, os insurgentes conseguiram evitar a tomada de Misrata.

A França e o Reino Unido trabalhavam ontem em um projeto de resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas para impor uma zona de exclusão aérea na Líbia. A intenção era apresentá-lo ¿o mais rápido possível¿. ¿Há um sentimento de urgência. Não podemos deixar que a população seja esmagada sem fazer nada¿, declarou à agência France-Presse uma fonte diplomática que não quis se identificar. A reação da Líbia à mobilização internacional foi imediata. O ministro líbio das Relações Exteriores, Mussa Kusa, acusou os Estados Unidos, o Reino Unido e a França de conspirar contra a Líbia para dividi-la. Hoje, a ONU atribuirá a Portugal a presidência do Comitê de Sanções contra a Líbia, que se reunirá nos próximos dias.

No 21º dia de conflitos na Líbia, os caças de Kadafi bombardearam um posto de controle a 20km de Ras Lanuf. ¿As pessoas viram a bomba caindo e correram para se proteger¿, relatou o médico Abdo. Pela manhã, uma coluna de rebeldes partiu dali para Bin Jawad, depois que outros insurgentes se viram obrigados a abandonar o local. A cidade foi palco ontem de pesados combates, que deixaram 12 mortos e mais de 50 feridos. A crise fez com que o petróleo alcançasse a maior cotação em 29 meses. O barril do tipo Brent fechou a US$ 105,44 em Nova York.

TV fala em renúncia » Horas depois do novo bombardeio contra posições dos rebeldes líbios, a rede de TV árabe Al Jazeera levou ao ar uma reportagem assegurando que o ditador Muamar Kadafi teria oferecido um acordo aos opositores ¿ que incluiria a renúncia ao poder e o abandono do país. A proposta teria sido feita pelo ex-primeiro-ministro Jadallah Azzouz Talhi, em Benghazi, a líderes da revolta contra o governo. Kadafi teria exigido segurança pessoal para ele e para os familiares. Segundo a Al Jazeera, que não revelou quais seriam as fontes da informação, os rebeldes teriam rejeitado qualquer chance de acordo, alegando que não poderiam concordar com uma ¿saída honrosa¿ do ditador.