Título: Para Genro, ação do presidente afastou crise
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 03/09/2008, Política, p. A10

O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou ontem que a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de afastar a cúpula da Abin para investigar a denúncia de grampo no Supremo Tribunal Federal (STF), foi importante para afastar um "prenúncio de crise política que se formava". Cuidadoso, repetiu por diversas vezes confiar na inocência e na lisura do diretor afastado, Paulo Lacerda. "Pelo que conheço dele, é uma pessoa séria e responsável, que não toleraria algo assim". Mas deixou claro que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) está na berlinda e que, por isso, se esforçará para auxiliar no inquérito comandado pela Polícia Federal. "Para afastar de sua testa a pecha de que tenha feita uma gravação do presidente do Supremo Tribunal Federal".

O Diário Oficial de ontem publicou o afastamento de Lacerda, do diretor-geral adjunto, José Milton Campanha, e do diretor do Departamento de Contra-Espionagem, Paulo Maurício Fortunato. Interinamente, a agência passará a ser comandada pelo ex-diretor de Planejamento e Orçamento Wilson Trezza, enquanto durar o inquérito da PF.

O ministro admitiu que uma das linhas da investigação pode conduzir à Operação Satiagraha, na qual agentes da Abin atuaram a pedido do delegado afastado, Protógenes Queiroz. Essa parceria, embora informal, foi confirmada por Paulo Lacerda durante depoimento na CPI dos Grampos.

Apesar disso, o ministro da Justiça afasta, pelo menos até o momento, a possibilidade de envolvimento da Polícia Federal no grampo ilegal feito no STF. "Essa possibilidade não surgiu em nenhum momento, nem nas denúncias públicas, veiculadas na imprensa, nem nas conversas privadas", disse o ministro. "Mas se essa for a conclusão do inquérito, o servidor será imediatamente expulso", prometeu. Genro negou que o seu cargo ou o do diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, tenham sido colocados em xeque pelo presidente Lula.

O ministro da Justiça participou de duas reuniões no Palácio do Planalto na segunda-feira - tanto da coordenação política quanto a realizada com o presidente do STF, Gilmar Mendes e os ministros Cezar Peluso e Carlos Ayres Brito. Apesar de não ter dado detalhes do encontro, ele disse que a "necessidade de transparência" foi o principal argumento para justificar a decisão de afastar Paulo Lacerda. "Não estamos analisando nenhum tipo de responsabilidade criminal ou administrativa, nem fazendo qualquer juízo de valor. Mas, nesse momento, havia uma responsabilidade política pairando sobre a Abin".

A Polícia Federal terá 30 dias, prorrogáveis por pelo menos outros 30, para tentar apontar os mandantes e os operadores do grampo no STF. As investigações não devem se estender ao Congresso, apesar das suspeitas de que alguns parlamentares da oposição também tenham sido grampeados. O presidente do inquérito será o delegado Willian Marcel Morad, atual chefe da Polícia Fazendária no Distrito Federal, ex-chefe da divisão de repressão às drogas em Pernambuco e ex-chefe do núcleo de fiscalização da PF no Rio Grande do Norte.

Pelo tamanho da tarefa dada a Morad, o ministro acha pouco provável uma conclusão antes de 60 a 90 dias. Ele não tem certeza sequer se será possível encontrar-se um culpado para o caso. Mas está convicto de que a cadeia de responsabilidades no episódio poderá ser construída. "Saberemos se a ordem e a execução do grampo partiu ou não da Abin". Essa resposta será vital para definir o futuro de Lacerda. Se algum servidor agiu assim à mando da cúpula afastada, ou de maneira formal, ainda que sem o conhecimento da antiga diretoria da agência, Lacerda poderia, em tese, ser responsabilizado politicamente.

Se, por outro lado, foram servidores que, de forma autônoma e clandestina, grampearam o presidente do Supremo, não há como, na opinião de Genro, estabelecer-se qualquer conexão com os comandantes afastados da Agência. Durante as tensas reuniões ocorridas na segunda-feira, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, General Jorge Armando Félix, defendeu a inocência de Lacerda e dos demais diretores e chegou a insinuar que a operação poderia ter sido feita "por agentes da Abin subornados pelo banqueiro Daniel Dantas".

O delegado Protógenes Queiroz e o juiz federal, Fausto de Sanctis, que trabalharam em parceria na Operação Satiagraha, nunca esconderam as divergências com o STF, sobretudo com o ministro Gilmar Mendes. De Sanctis expediu um mandado de prisão preventiva e outro de prisão temporária contra Dantas, mas este acabou beneficiado por dois habeas corpus consecutivos concedidos pelo presidente do STF, Gilmar Mendes.

Para Genro, não está eliminada a hipótese de que o grampo no Supremo tenha sido colocado para beneficiar um agente privado - ele não quis, no entanto, corroborar a tese apresentada pelo general Félix. "O que vamos tentar descobrir é: quem fez o grampo, por que fez e a mando de quem", listou o ministro.

O ministro da Justiça espera receber, até amanhã, as minutas dos projetos que prevêem o aumento de penas e da responsabilidade de servidores públicos e co-autores que praticarem escuta clandestina ou ilegal. A idéia inicial, por exemplo, é equiparar a pena de autores e co-autores, mas essas propostas ainda precisam ser analisadas pelo presidente Lula.