Título: Grampo leva Lula a afastar cúpula da Abin
Autor: Lyra, Paulo de Tarso; Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2008, Política, p. A5

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou ontem o afastamento temporário da cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), inclusive de seu diretor-geral, Paulo Lacerda, enquanto durarem as investigações sobre denúncia, publicada pela revista 'Veja', de que a agência vinha grampeando o telefone do do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. Além de Lacerda, foi afastado o diretor-adjunto da Abin, José Milton Campana. Lula passou o dia em reuniões em função da crise aberta pela descoberta do grampo. Até às 21h, não havia informações oficiais sobre a lista de afastados.

O primeiro encontro foi com o próprio presidente do Supremo, no Palácio do Planalto, que compareceu à reunião acompanhado de outros dois ministros do Supremo, Cezar Peluso e Carlos Ayres Brito, depois ampliado para o ministro da Justiça, Tarso Genro, e o chefe do Gabinete Institucional, general Jorge Armando Félix, a quem a Abin está subordinada hierarquicamente. Os ministros do STF exigiram providências ao presidente. Em seguida, Lula reuniu-se com os senadores Garibaldi Alves (PMDB), presidente do Senado, Tião Viana (PT), e Demóstenes Torres (DEM). Mais tarde, reuniu seu staff político e, à noite, o chefe de Gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, informou a Gilmar Mendes a decisão do presidente de afastar a diretoria da Abin.

"Diante das circunstâncias como essa está caracterizado que houve um grampo, não sabemos feito por quem. Temos que investigar. Para facilitar o trabalho e a transparência das investigações, o melhor é que o afastamento da direção da Abin", disse o presidente durante a reunião, segundo informou um ministro.

No encontro, o general Félix disse acreditar que a direção da Abin não participou do episódio, mas o governo, de acordo com um ministro, não descarta nenhuma possibilidade. Félix chegou a colocar o cargo à disposição, mas o presidente Lula sequer considerou discutir o assunto.

Paulo Lacerda, o diretor-geral da Abin afastado, goza da confiança de Lula, mas, durante a reunião com seus ministros, o presidente disse concordar com a "indignação" do presidente do STF. "Grampear qualquer cidadão é grave. Grampear o presidente do Supremo é mais ainda", afirmou o presidente na reunião. Lacerda, que antes de assumir o comando da Abin dirigiu a Polícia Federal, passou todo o dia de ontem no Palácio do Planalto, mas não chegou a conversar com o presidente.

Além de afastar os diretores da Abin, o presidente decidiu, segundo nota oficial, "determinar ao Ministério da Justiça a elaboração, em conversações com o Supremo Tribunal Federal, de projeto de lei que agrave a responsabilidade administrativa e penal dos agentes públicos que cometerem ilegalidades no tocante a interceptações telefônicas e de qualquer pessoa que viole por meio de interceptação o direito de todo cidadão à privacidade e à intimidade". O governo espera, ainda, que o Congresso Nacional "aprove o mais rápido possível" o projeto de lei 3272/08, de iniciativa do próprio Poder Executivo, que regula e limita as escutas telefônicas para fim de investigação policial.

Todos os participantes da reunião no Palácio do Planalto - tanto do Legislativo quanto do Executivo - concordaram que há um "descontrole" nas interceptações telefônicas realizadas de forma ilegal no país. O general Félix, ao qual está subordinada a Abin, levantou a hipótese de a escuta telefônica ilegal ter sido realizada por encomenda do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, com a intenção de desmoralizar a investigação da Polícia Federal na "Operação Satiagraha", que resultou na sua prisão.

Essa foi uma das três hipóteses levantadas por Félix na tentativa de explicar o grampo que gravou conversas do presidente do Supremo com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Uma outra hipótese apresentada pelo general na reunião foi a existência de um sistema interno na rede de telefonia do Senado que permitiria a interceptação das conversas dos senadores. Por fim, a possibilidade de servidores da Abin estarem por trás dos grampos. Neste caso, o motivo poderia ser a tentativa de boicote a Lacerda, por causa de uma briga de facções da agência.

Demóstenes chegou a comentar os rumores de que o próprio presidente poderia ter tido conversas grampeadas. Lula disse, na reunião, que não está preocupado com grampos em seus telefones. O governo avalia ainda que não tem evidências de que os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e José Múcio Monteiro (Relações Institucionais), além de Gilberto Carvalho (chefe de gabinete de Lula), tenham sido grampeados, como informou a revista Veja.

"Houve rompimento do estado de direito. É preciso restabelecer a confiança entre os poderes", disse o senador Demóstenes.

Lula reuniu-se com os senadores poucas horas depois de receber a mesma exigência do presidente do STF, que foi ao Palácio do Planalto acompanhado dos ministros do tribunal Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso. Os dirigentes dos poderes Judiciário e Legislativo consideram extremamente grave a escuta ilegal de telefones de seus integrantes por parte da Abin, órgão do Executivo.

Garibaldi comunicou a Lula que o Senado está concluindo a votação de um projeto de lei que torna mais rigorosas as regras para realização de interceptação telefônica e as punições para os vazamentos. Segundo ele, será uma "grande contribuição" para combater os grampos clandestinos. A proposta, de autoria do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), foi relatada por Demóstenes. Já passou por uma aprovação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde será submetida a turno suplementar antes de ir à Câmara. Pelo projeto, o pedido de escuta tem que detalhar os crimes investigados. Todas as autoridades e funcionários das operadores têm que ser identificados. E o juiz receberá a cada 60 dias relatório, para acompanhar a investigação.

A direção-Geral da Polícia Federal divulgou nota informando que determinou à Superintendência Regional no Distrito Federal a instauração de inquérito para apurar "supostos monitoramentos de comunicações de autoridades públicas". "Sobre ilações a respeito da participação da Polícia Federal em atividades ilegais de escuta, a instituição esclarece que, como polícia judiciária, utiliza o instituto da interceptação telefônica como meio de investigação, com acompanhamento do Ministério Público e autorização judicial, nos termos da legislação vigente", afirma a PF, na nota.