Título: Decreto de Chávez pára importação de carros
Autor: Landim, Raquel; Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2008, Brasil, p. A3

Marisa Cauduro/Valor Jackson Schneider: "Não se cria uma indústria automotiva da noite para o dia, sem base para a produção de peças" Um decreto do presidente Hugo Chávez provocou queda de 80% nas exportações de automóveis brasileiros para a Venezuela. Para estimular a produção local e economizar divisas, o país estabeleceu cotas de importação por tipo de veículo e por empresa. O volume não atende à demanda interna e o resultado é uma fila que pode chegar a um ano para comprar um carro novo.

De janeiro a julho, o Brasil enviou 6.619 veículos para a Venezuela, 83% a menos que os 39.664 de igual período em 2007, conforme a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). A receita obtida cedeu de US$ 227 milhões para US$ 45 milhões, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). A Venezuela representou 10% das exportações de automóveis do Brasil no ano passado.

"Não se cria uma indústria automotiva da noite para o dia, sem base para a produção de equipamentos e peças", afirmou o presidente da Anfavea, Jackson Schneider. Ele reiterou, no entanto, que as montadoras estão dispostas a conversar com as autoridades venezuelanas. O diretor executivo da Ford na América do Sul, David Schoch, disse que a Venezuela se transformou em um desafio. "Estamos tentando responder aos pedidos do governo, mas é uma situação difícil".

O presidente da GM do Brasil, Jaime Ardila, afirmou que os problemas vêm de duas frentes: dificuldade na liberação dos dólares para os importadores e agora o programa de nacionalização de veículos. A filial brasileira não pode mais, por exemplo, exportar para a Venezuela picapes pequenas, como a Montana, porque o governo decidiu que esse tipo de veículo tem que ser nacional. O volume de exportações da GM do Brasil para a Venezuela, que alcançou 6 mil unidades em 2007, não vai passar de 2 mil este ano, calcula Ardila. "É uma situação muito difícil", disse. Segundo ele, a GM não tem, entretanto, nenhum interesse em fechar a fábrica venezuelana.

O governo brasileiro tenta solucionar o problema e prepara uma missão para o país em breve. A negociação está sendo conduzida pelo secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, que não se manifestou. O assunto é delicado, porque Chávez é aliado estratégico do governo e conta com a simpatia do Partido dos Trabalhadores (PT). Em compensação, é criticado pelo empresariado que se opõe à entrada da Venezuela no Mercosul e reclama do controle cambial do país, que atrasa o pagamento dos exportadores.

As montadoras e os fabricantes de autopeças cogitam um acordo entre Brasil e Venezuela nos moldes que o país possui com a Argentina e o Uruguai, mas ainda não há definição. Os dirigentes da indústria automotiva brasileira têm interesse em um acordo, porque a Venezuela é um mercado importante para o setor. "É preciso um processo constante para tentar achar o meio termo entre o que eles querem e o que é possível", disse uma fonte próxima à negociação.

O imbróglio já afeta o comércio entre Brasil e Venezuela, que triplicou nos últimos quatro anos. De janeiro a julho, as vendas de produtos manufaturados para os venezuelanos recuaram 7,9%. O prejuízo é compensado pelas vendas de alimentos, como leite e carne, que estão muito aquecidas. A exportação total do Brasil para a Venezuela aumentou 11% em sete meses - ritmo bem inferior a alta de 32% de 2007 e de 60% de 2006.

Em vigor desde 1º de janeiro, a nova lei obriga as montadoras a apresentarem planos de importação e produção. O comprometimento de fabricação local é recompensado com cotas maiores. Segundo uma fonte do setor, algumas montadoras obtiveram apenas 10% da cota que solicitaram. As regras valem para todos os países, mas os mais atingidos são Brasil e Colômbia, os principais fornecedores de automóveis para a Venezuela.

Também está no documento que as montadoras, em conjunto com o ministério do Poder Popular para Indústrias Leves e Comércio, devem estabelecer um plano de fortalecimento dos fabricantes de autopeças, para atingir uma percentagem superior a 50% de conteúdo nacional até 2013. Empresários do setor de autopeças no Brasil afirmam que é impossível atender à solicitação porque a Venezuela não dispõe de um parque fabril de componentes de veículos.

"É preciso compreender o momento de cada país. O Brasil também se industrializou às custas de controle cambial e muita proteção contra importações", disse José Francisco Marcondes, presidente da Câmara Venezuelana-Brasileira de Comércio. No decreto, o governo venezuelano diz que "é necessário impulsionar a indústria (...) e diminuir as importações de veículos em função do desenvolvimento pleno e da soberania produtiva local". O governo investiu até em uma montadora estatal. Chamada Venirauto, a fábrica funciona com tecnologia iraniana, mas os volumes produzidos são pequenos.

A Venezuela importou 336 mil veículos em 2007, que corresponderam a quase 70% do mercado local, graças a uma economia muito aquecida pelo boom do petróleo. Além de fortalecer a produção, o governo está preocupado com o gasto de divisas e quer privilegiar alimentos e remédios. A Venezuela vive uma escassez de dólares graças ao aquecimento da economia e os gastos sociais, apesar do forte superávit gerado pelo petróleo.

"A lei é boa para a indústria nacional porque estimula a produção", disse William Castilho, presidente da Câmara Venezuelana de Veículos Automotores (Cavenes). Mas o executivo admitiu que a burocracia provoca transtornos. Ao invés de aumentar, a produção venezuelana de automóveis diminuiu 15% de janeiro a julho, por falta de autopeças, que são majoritariamente importadas. A GM teve de fechar a fábrica por alguns dias, uma prática que se repete com freqüência e traz prejuízos, porque os 3 mil trabalhadores recebem os salários integralmente. Com produção e importação em queda, a venda de carros na Venezuela já caiu 30% este ano, não por falta de demanda, mas de oferta.