Título: BNDES faz diferença (e deve buscar fazer ainda mais)
Autor: De Negri, João Alberto; Ferraz, João Carlos
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2008, Opinião, p. A10

Ninguém discute a existência de um quadro de restrição de crédito para projetos de longo prazo na economia brasileira, que limita de forma especialmente relevante a capacidade de investir das empresas nacionais. A despeito do seu crescimento recente, o mercado de capitais brasileiro ainda é muito pouco desenvolvido em comparação com países mais avançados. Há décadas que praticamente a única fonte de capital de longo prazo para investimentos no país é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Como o BNDES é um banco público, que concede apoio financeiro principalmente a partir de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), é muito importante que a sociedade brasileira discuta seu papel. Neste contexto, o artigo publicado por Márcio Garcia, no Valor de 1º de agosto passado, levanta uma importante questão para debate: o BNDES faz diferença no desempenho das empresas?

Em uma visão de longo prazo, a produtividade derivada dos investimentos financiados pelo BNDES é um indicador especialmente relevante de avaliação da atuação do banco. Se uma empresa enfrenta restrição de crédito, investe menos do que seria possível. Mas, se o BNDES reduz esta restrição, a firma pode investir mais e com isso tornar-se mais produtiva. Idealmente, assim, para avaliar o impacto do banco sobre a produtividade das empresas, seria preciso conhecer o que teria acontecido com a produtividade das empresas que obtiveram empréstimos do BNDES, caso eles não tivessem tido acesso ao financiamento e, ao mesmo tempo, o que teria acontecido com a produtividade das que não foram financiadas pelo BNDES, caso elas tivessem sido financiadas.

Na realidade, porém, só é possível observar o desempenho das empresas financiadas e compará-lo com o desempenho das empresas que não conseguiram empréstimos do banco. E, nessas limitações, radicam as armadilhas conhecidas na literatura como "viés de seleção", "endogenia" e "causalidade", expressões formais para questões simples como: as firmas financiadas são mais produtivas porque o BNDES seleciona as mais produtivas ou elas se tornam mais produtivas por causa dos empréstimos? Empresas similares, mas não financiadas, têm a mesma evolução da produtividade do que as que obtiveram empréstimos do banco?

Felizmente, diversos instrumentos estatísticos, úteis para a avaliação de políticas públicas, foram desenvolvidos no período recente. Como observa Marcio Garcia, a economia e a econometria moderna permitem realizar estimativas satisfatoriamente, tornando possível evitar aquelas armadilhas.

O Ipea tem realizado esforços sistemáticos nesta direção. Em estudo em fase de conclusão, e com base nessas novas técnicas, o Ipea estimou o impacto do financiamento do BNDES na produtividade das firmas industriais brasileiras, acompanhando empresas financiadas e não financiadas pelo banco entre 1996 e 2007. A pesquisa mostra que, nesses 12 anos, o BNDES financiou, em média, 4.000 empresas industriais com 30 ou mais pessoas ocupadas a cada ano. Essas empresas captaram cerca de 50% dos financiamentos que o BNDES disponibilizou às empresas brasileiras. Entre 1996 e 2007, o BNDES participou de 1/3 do investimento das firmas industriais brasileiras com mais de 30 empregados, número bastante expressivo.

Para avaliar o impacto do financiamento do BNDES sobre a produtividade, as empresas financiadas foram pareadas pelo Ipea com empresas similares não financiadas. As empresas eram similares inclusive nos níveis de produtividade e na taxa de crescimento observada ao início da comparação.

-------------------------------------------------------------------------------- Entre 1996 e 2007, o BNDES participou de um terço dos investimentos das firmas industriais brasileiras com mais de 30 empregados --------------------------------------------------------------------------------

Os resultados da comparação mostram que as firmas que obtiveram empréstimos do banco empregaram, no terceiro ano após o financiamento, 28% mais trabalhadores do que as não financiadas. Mostram que o faturamento das empresas que obtiveram empréstimos com o BNDES cresceu, também ao final do terceiro ano, 43% mais do que as não financiadas. E, mais importante, mostram que as firmas financiadas pelo BNDES também se tornaram mais produtivas do que as não financiadas: no terceiro ano após a concessão de crédito, a produtividade das empresas financiadas pelo BNDES era 36% maior a das não financiadas.

Portanto, sim, o BNDES faz diferença. Os níveis de emprego, crescimento e eficiência das empresas apoiadas pelo banco são superiores aos indicadores de empresas similares não financiadas.

Mas a atuação do BNDES não se limita, nem pode se limitar, a esses resultados. Em um contexto de acirramento da concorrência, os desafios da indústria brasileira são dinâmicos. Mesmo que ocorra um avanço significativo no mercado de capitais brasileiro, concretizando os sinais que se enxergam na atualidade, o desafio da inovação - que depende de políticas públicas, conforme reconhecem inclusive os economistas neoclássicos - seguirá exigindo uma ação consistente do banco no âmbito do financiamento.

Os indicadores de capacidade inovadora do Brasil estão ainda distantes dos países desenvolvidos e de países emergentes de primeira geração da Ásia. No Brasil, aproximadamente 30% das empresas industriais se declaram inovadoras, enquanto na União Européia esse valor alcança 50%. As empresas brasileiras investem 0,6% do faturamento em P&D. Na Alemanha este percentual é de 2,7%; na França, de 2,5%. Menos de 3% das empresas industriais brasileiras introduziram um novo produto no mercado nacional. Das 30 mil empresas inovadoras, menos de duas centenas inovaram para o mercado internacional.

Inovar e investir para sustentar o crescimento é a consigna da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e, em sua dimensão empresarial, também do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação. O cumprimento das metas de investimento/PIB e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)/PIB, em 2010, requer aprofundar a integração entre as ações do banco e outros instrumentos de política pública, ampliando a coordenação com MCT, FINEP, MDIC e MF. Para o banco continuar a fazer diferença.