Título: Stent pode não ser tão eficiente quanto cirurgia
Autor: Winstein, Keith J.
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2008, Empresas, p. B6

Um estudo que pretendia mostrar a vantagem científica da técnica dos stents coronarianos nos piores casos de doenças do coração fracassou e acabou concluindo que a cirurgia de ponte de safena é melhor em casos complicados. A técnica dos stents permite instalar um tubo fino dentro de uma artéria entupida. Quando estendido, o stent restaura o fluxo de sangue ao coração.

Os resultados do estudo, revelados em um encontro de cardiologia em Munique, na Alemanha, são uma trava para a nova tecnologia. Os analistas haviam previsto que o fracasso do estudo poderia significar perdas de vendas para os fabricantes de stents. Os médicos estimam que, entre os tipos de pacientes com problemas sérios abrangidos pelo estudo (aqueles com três artérias obstruídas, ou um único coágulo na artéria coronária esquerda), cerca de 100 mil por ano têm recebido stents. Os resultados do estudo podem fazer com que esses pacientes sejam excluídos do tratamento e encaminhados para a ponte de safena.

O estudo, patrocinado pela Boston Scientific Corp., uma das empresas líderes na fabricação de stents, é a primeira comparação, par a par, entre sofisticados stents revestidos com medicamentos e técnicas avançadas de cirurgia coronariana. O estudo custou cerca de US$ 50 milhões e incluiu 3 mil pacientes em 85 hospitais nos Estados Unidos e Europa. O uso do stent tem sido considerado uma alternativa à cirurgia de peito aberto, que usualmente requer parada do coração, fratura do osso externo e meses de recuperação.

Ao longo dos último dez anos, a evolução do design do stent e dos procedimentos cirúrgicos menos invasivos levou à substituição da cirurgia de safena no tratamento da maioria dos pacientes cardíacos. Hoje, um paciente com uma ou duas artérias obstruídas estaria mais propenso a receber um stent em vez de cirurgia. As operações de safena também melhoraram, inclusive com a possibilidade de manter o coração batendo em alguns casos durante a cirurgia.

O novo estudo era uma tentativa de destronar a cirurgia de safena como tratamento para os casos mais sérios, mostrando que o stent Taxus, produzido pela Boston Scientific, poderia ser tão bom quanto a intervenção cirúrgica. O Taxus é coberto com drogas que reduzem o entupimento das artérias e é o mais vendido em todo o mundo. Só no ano passado as vendas chegaram a US$ 1,8 bilhão.

Se o estudo tivesse sido um sucesso, abriria o caminho para a Boston Scientific conseguir a aprovação para o uso do Taxus em pacientes com entupimentos em várias artérias. Mas o estudo fracassou na meta principal: depois de um ano, 17,8% dos pacientes com stent morreram, sofreram derrame ou ataque cardíaco, ou se submeteram a nova operação. Por outro lado, 12,1% dos safenados tiveram esses problemas, o que significa que os resultados com stents ficaram estatisticamente abaixo da ponte de safena.

Isso deixou alguns cirurgiões cardíacos aliviados. "Isso é bastante encorajador para o futuro da cirurgia de coração", disse Robert Guyton, cardiologista da Universidade Emory, de Atlanta, nos EUA, e ex-presidente da Sociedade de Cirurgiões de Tórax.

A Boston Scientific garantiu que assim que os resultados completos do estudo, denominado Syntax, forem divulgados, vai produzir uma escala para ajudar médicos e pacientes com diferentes graus de doença coronariana a decidir que tipo de procedimento escolher.

-------------------------------------------------------------------------------- O fracasso da técnica poderia levar a perdas anuais de US$ 458 milhões nas vendas de grandes fabricantes --------------------------------------------------------------------------------

Embora o Syntax não tenha atingido seu principal objetivo, uma análise secundária não encontrou diferenças entre stents e pontes de safena quanto à segurança, pelo menos no primeiro ano após a cirurgia. Nessa análise, que não incluiu se pacientes tiveram de voltar para repetir a operação, quase a mesma porcentagem de cada grupo morreu, ou teve um ataque de coração ou derrame: 7,7% dos safenados e 7,6% para os pacientes com stent. Os pacientes de cirurgia de safena tiveram mais derrames, e os com stents, mais mortes e ataques do coração.

Isso significa que pacientes e médicos devem pesar os prós e contras dos dois procedimentos, disse Ted Feldman, ex-presidente da Sociedade para Intervenções e Angiografia Cardiovascular, cujos participantes instalam stents.

Alguns pacientes podem preferir um procedimento de baixo impacto em vez do risco de ter dores no peito outra vez e precisar repetir a visita, disse ele.

A Boston Scientific reconheceu que o estudo não atingiu seu objetivo primeiro, mas destacou algumas de suas conclusões secundárias. Para pacientes de stents "irem tão bem com uma anatomia tão complexa e uma doença tão avançada é extraordinário", disse Keith Dawkins, diretor médico associado da companhia.

Ontem, os proponentes do stent minimizaram o fracasso do estudo para mostrar as vantagens do técnica em relação ao procedimento cirúrgico mais amplo. "O objetivo primeiro é irrelevante", disse Gregg Stone, cardiologista da Universidade Columbia, de Nova York, que questionou o agrupamento de repetição de procedimentos com mortes e derrames e disse que o uso do stent é "um procedimento muito menos doloroso".

Os resultados do estudo têm sido ansiosamente esperados em Wall Street. Larry Biegelsen, analista do Wachovia Capital Markets, previu, no mês passado, que o estudo conseguiria mostrar que os stents funcionam tão bem quanto a cirurgia cardíaca. (Mais tarde, ele ponderou sua previsão.) Segundo ele, o fracasso da técnica dos stents poderia levar a perdas anuais de US$ 458 milhões nas vendas de quatro grandes fabricantes de stents: Boston Scientific, Johnson & Johnson, Abbott Laboratories e Medtronic. Os resultados afetam cerca de 5% dos pacientes que recebem stent nos EUA.

Mas como os pacientes com problemas cardíacos mais sérios são tratados com stents cobertos com drogas e têm o maior número de entupimentos, eles estão entre os mais lucrativos para as fabricantes e precisam de mais tubos implantados: 4,6 por paciente, em média. Os stents revestidos com medicamentos custam cerca de US$ 2.000 cada.