Título: Senado e STF firmam pacto contra excesso de grampos
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2008, Política, p. A9

Sérgio Lima/Folha Imagem Demóstenes, Viana e Garibaldi com o presidente do STF: Senado deve aprovar um projeto de lei que amplia o controle sobre as atividades de inteligência Os presidentes do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, firmaram, ontem, um pacto contra o excesso de grampos no país. O chefe do Poder Legislativo irá se empenhar para aprovar nova legislação impondo maior rigor às escutas telefônicas e o chefe do Judiciário irá atuar na regulamentação de uma série de mecanismos de controle frente à disseminação de milhares de decisões judiciais que autorizam essas interceptações.

Em encontro, no início da tarde de ontem, Garibaldi afirmou a Mendes que o Senado deverá aprovar um projeto de lei de autoria do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) que amplia o controle sobre as atividades de inteligência. Pelo texto, as escutas telefônicas só poderão ser realizadas após consulta ao Ministério Público e com monitoramento intensivo pelos juízes. A cada 60 dias, o juiz que autorizou o grampo receberá todo o material dos investigadores para ver se o conteúdo das escutas está dentro do que foi determinado por ele ou se "descambou para a bisbilhotagem", explicou o senador. Ele se referiu a escutas que continuam sendo realizadas, mesmo quando não dizem mais respeito ao objetivo inicial das investigações, "apenas para ver no que vai dar".

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) disse que o texto do projeto de lei já foi negociado com o Ministério da Justiça e será votado na semana que vem pelo Senado. Demóstenes informou também que o Legislativo pretende criar uma ouvidoria para atuar dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A ouvidoria contaria com dois membros do Senado, dois da Câmara dos Deputados, um do Judiciário, um do Ministério Público e um do Executivo. Eles teriam mandatos de três ou de cinco anos e seriam responsáveis pela avaliação dos trabalhos da agência.

O presidente do STF disse aos senadores que chegou a hora de as instituições reagirem. Ele contou que está sendo grampeado há mais de dois anos e que, como presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) - órgão de controle do Judiciário -, deverá fazer uma resolução para orientar juízes em casos de escutas telefônicas.

A resolução é uma resposta à cobrança feita pessoalmente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Mendes. No encontro que tiveram na segunda-feira, no Palácio do Planalto, Lula questionou Mendes sobre o excesso de decisões judiciais autorizando a realização de escutas telefônicas. O presidente do STF respondeu que o assunto está em discussão no CNJ, desde junho, e que a idéia inicial é implementar um cadastro de decisões envolvendo grampos e criar normas de modo a evitar excessos nessas autorizações de escutas.

No fim do encontro, Garibaldi elogiou as propostas de Mendes. "A conversa foi no sentido de que cada Poder possa tomar atitudes num espírito de colaboração", disse o presidente do Senado.

Na manhã de ontem, poucas horas antes de tomar posse na Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Cesar Asfor Rocha propôs outra medida: a criação de uma corregedoria para acompanhar as atividades policiais envolvendo grampos. Para ele, as escutas só deveriam ser autorizadas para confirmar suspeitas fundadas, e não, como acontece hoje, para ver o que surge das gravações. "Nós devemos fazer uma 'mea culpa' porque, em regra, a quebra de sigilo telefônico é determinada pelo juiz", disse Rocha. "Hoje, vivemos a banalização da quebra de sigilo. E não há nada mais sagrado para qualquer cidadão do que o resguardo da sua intimidade", completou o novo presidente do STJ.

Durante a posse de Asfor Rocha, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, defendeu a responsabilização dos agentes públicos que cometerem desvios em escutas telefônicas. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, afirmou que há adeptos da escutas clandestinas no Ministério Público, no Judiciário e em aparelhos policiais.

À noite, parlamentares da oposição estiveram no STF para manifestar solidariedade contra os grampos clandestinos no tribunal. Os presidentes do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) e o deputado José Aníbal (PSDB-SP) conversaram por menos de uma hora com Mendes e, na saída do encontro, Guerra e Maia pediram o afastamento do governo do ministro da Justiça, Tarso Genro, e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Felix. Genro é o responsável pela Polícia Federal e Felix pela Abin. As duas instituições são suspeitas de terem grampeado Mendes.

Ontem, o STF ainda recebeu uma ação contra decreto, assinado em 19 de agosto pelo presidente Lula, que permite que a Abin tenha acesso a bases de dados de diferentes órgãos do governo, como a PF, a Receita Federal, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. A ação foi proposta pelo PPS sob a alegação de que o Decreto nº 6.540 dá o poder de a Abin fazer "verdadeira devassa na vida de qualquer cidadão".