Título: Brasileiros ajudam a elaborar reforma agrária no Paraguai
Autor: Moura, Marcos de
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2008, Internacional, p. A11

Um grupo de brasileiros, entre eles funcionários do governo do Paraná, vem ajudando a preparar nas últimas semanas um projeto de reforma agrária para o Paraguai, numa iniciativa que teria tido o aval do novo presidente paraguaio, Fernando Lugo.

Pelo documento, em fase de discussão, associações e grêmios de produtores rurais no Paraguai - entre os quais estariam incluídos os chamados "brasiguaios" - teriam o papel de ajudar as famílias de assentados com transferência de capacitação técnica, além de arcar com financiamento de parte do programa.

A idéia do projeto foi sugerida a Lugo pelo general da reserva Lino Oviedo, candidato derrotado à Presidência nas eleições de abril, segundo disse ontem ao Valor o deputado federal Ariel Oviedo, filho de Oviedo. "O projeto foi feito depois de um acordo prévio com o presidente. Ele estava de acordo que trabalhássemos nisso", afirmou o deputado. Além de brasileiros, paraguaios também tomaram parte do grupo reunido por Oviedo para desenhar o projeto.

O Valor tentou confirmar o aval de Lugo, mas nem o Ministério do Interior nem o da Agricultura disseram ter informações sobre o projeto. A reportagem também tentou em vão ouvir o ministro-chefe do Gabinete Civil, Lopez Perito.

De acordo com uma advogada brasileira que participou da elaboração do texto, o documento deveria ter sido apresentado ontem a Lugo e a parlamentares paraguaios. A programação, porém, foi por água abaixo por causa da crise política que eclodiu na segunda-feira, com a acusação de Lugo de que seu governo estaria sendo alvo de "projetos conspiratórios". Oviedo, o ex-presidente Nicanor Duarte Frutos e o atual presidente do Senado teriam, segundo versão do governo, planos para desestabilizar o novo presidente.

Ontem, Ariel Oviedo disse que, com a crise (injustificada, segundo ele), não havia como prever quando o documento seria afinal levado ao presidente.

Entre os brasileiros que participaram da elaboração do projeto da reforma agrária estão o engenheiro agrônomo Luiz Pasquali, funcionário da Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e o secretário municipal de Agricultura do município paranaense de Chopinzinho, Roberto Suchs.

Pasquali esteve em uma reunião nos dias 7 e 8 de agosto em Ciudad del Este, cidade paraguaia na fronteira com o Brasil, para discutir a proposta. Segundo ele, Chopinzinho, município de 20 mil habitantes no sudoeste do Paraná, é referência em agricultura familiar.

Os paraguaios, conta o engenheiro, souberam da experiência da cidade paranaense por meio de antigos moradores que foram viver e produzir no Paraguai. "Eles visitaram parentes aqui e viram o que estamos fazendo", explica o agrônomo. No dia 4 de agosto três "brasiguaios" e um assessor de Oviedo passaram dois dias no município, percorrendo propriedades, conta Pasquali. Após autorização do governador Roberto Requião (PMDB), que apoiou Lugo nas eleições, Pasquali e Suchs foram a Ciudad del Este para estruturar o documento intitulado de "Programa de Prioridades para el Desarrollo Sustentable de Reforma Agrária". Oviedo esteve no encontro, disse Pasquali. Na semana passada, o engenheiro disse que viajaria a Assunção para uma nova reunião sobre o projeto.

Reforma agrária foi um dos temas constantes na campanha eleitoral de Lugo, que contou com o apoio de movimentos sociais, de camponeses, de sem-terra, entre outros setores da esquerda no país. Ex-bispo católico, Lugo ficou conhecido pelo seu engajamento social e também pelas críticas que fazia a grandes produtores de soja brasileiros no Paraguai, muitas vezes acusados de causar danos à população e ao meio ambiente com o uso irrestrito de pesticidas. Muitos dos sojeiros brasileiros no país têm sido alvo da pressão de grupos de sem-terra. Por isso, um plano de distribuição de terra pensado com a participação de brasileiros poderá causar desconforto em setores do governo do Lugo.

Por enquanto, algumas sugestões já foram feitas, como a realização de um censo para saber o que está acontecendo nos cerca de 110 mil lotes de reforma agrária daquele país - se foram vendidos, arrendados e se estão produzindo. Atualmente a demanda seria de outros 30 mil lotes. Outra sugestão trata da tributação sobre a produção, para a criação de um fundo de apoio à agricultura familiar. De cada tonelada de soja, por exemplo, o produtor terá de pagar um valor para ajudar a comprar equipamentos.

O documento também fala em em garantir "capacitação, aquisição de conhecimentos e técnicas" das famílias de assentados por meio de "convênios entre instituições nacionais e internacionais" e com "instituições privadas, tais como indústrias, cooperativas, grêmios de produtores, que serão responsáveis por uma parte do financiamento do programa".