Título: Superaposentadorias furam o teto salarial
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 07/03/2011, Economia, p. 8

Benefícios acima do limite permitido pela Constituição Federal desafiam o INSS, que é obrigado a pagá-los com base em uma série de decisões judiciais e leis específicas. Maiores valores destoam da folha geral e chegam a R$ 33,2 mil por mês A Previdência Social paga 28 milhões de benefícios todo mês, sendo que 19,3 milhões de pessoas recebem apenas o equivalente ao salário mínimo. Embora o sistema tenha piso e teto ¿ R$ 540 e R$ 3.689,66, respectivamente ¿ existem alguns poucos privilegiados que, por força de decisões judiciais e com base em legislação específica, conseguem receber bem mais do que permite a Constituição Federal, R$ 26.723,13, correspondente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Nessa situação, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), encontram-se nove pessoas. Sete delas, anistiados que recebem, cada um, R$ 33.274,37. Um ex-combatente, aposentado por tempo de serviço, embolsa R$ 33.274,24. A viúva de um ex-combatente marítimo ganha R$ 27.188,41. São aposentadorias e pensões pagas há décadas. A lei que estabeleceu a aposentadoria e a pensão para o ex-combatente marítimo, por exemplo, é de 1952. Já a que trata da anistia é de 1979.

A seu favor, o INSS alega que não se tratam de repasses previdenciários. São classificados como Encargos Previdenciários da União (EPU) que, a exemplo dos benefícios assistenciais, a Previdência paga com recursos do Tesouro Nacional. E mais. Acima do teto constitucional, os benefícios são autorizados por decisão judicial. O único benefício previdenciário que não está limitado ao teto é o salário-maternidade, válido por quatro meses. Nesse caso, a mulher recebe o salário que tem na atividade. Pode ser o caso de dois benefícios, um de R$ 53.991 e outro de R$ 57.590, que constam do Boletim Estatístico da Previdência Social de janeiro deste ano.

Distorção ¿Não é ilegal, mas é claramente imoral¿, diz o ex-ministro da Previdência Social, José Cechin, hoje diretor executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde). Cechin lembra-se de que, no fim dos anos 1990, os benefícios acima do teto constitucional eram cerca de 300. A Previdência Social, segundo ele, bem que tentou acabar com a distorção. Primeiro, limitou, por portaria, o valor ao máximo permitido pela legislação brasileira. Os beneficiários recorreram e ganharam na Justiça a recomposição daquilo que vinham recebendo. Uma segunda tentativa foi feita via decreto presidencial. A Previdência voltou a perder. Por fim não adiantou nem mesmo colocar um limite via emenda constitucional. ¿Eles (beneficiários) alegaram direito adquirido e, mais uma vez, a Justiça decidiu contra o INSS¿, explica Cechin.

Para o ex-ministro, a Previdência Social sempre foi vigilante com relação a esses pagamentos, tendo feito todas as tentativas possíveis para colocá-los dentro de um parâmetro. Acontece que até mesmo a legislação, base da concessão desse tipo de benefício, de caráter reparatório, não contribui em nada para a definição de um valor ao não estabelecer um teto. A situação é semelhante com o salário-maternidade: o INSS também tentou limitar seu valor ao teto constitucional. Perdeu no STF.

Dos 28 milhões de benefícios pagos, 3,7 milhões são benefícios assistenciais. Poucos deles ultrapassam a marca de um salário mínimo. A média dos 24,4 milhões de pagamentos previdenciários gira em torno de R$ 760. Pelos dados disponíveis no Boletim Estatístico da Previdência Social, existem 10.645 repasses cujo pagamento mensal ultrapassa o teto do INSS de R$ 3.689,66 , mas encontram-se dentro do teto constitucional de R$ 26.723,13. É o caso, por exemplo, de 571 anistiados. A despesa mensal do Tesouro com o pagamento dessas aposentadorias é de R$ 3.371.624, o que dá, em média, R$ 5.904,77 para cada um. As pensões pagas às viúvas dos anistiados somam outros 652 benefícios. A despesa mensal, nesse caso, é de R$ 3.591.048, o que resulta num valor médio de R$ 5.507,74.

Com o aval da Justiça Os marajás da Previdência Social recebem aposentadorias e pensões que não têm qualquer relação com a contribuição feita para o sistema durante a vida laboral. Isso porque esses benefícios foram concedidos com base em leis que procuraram reparar algum prejuízo causado ¿ caso da lei da anistia ¿ ou amparar aqueles que, teoricamente, se arriscaram pela pátria, como é o caso da lei que protege os ex-combatentes marítimos.

Como acontece muitas vezes, a intenção do legislador é uma, mas a prática revela-se outra. A lei mais usada para criar superaposentadorias acabou beneficiando quem nunca foi à guerra. É o caso, por exemplo, do dispositivo legal criado em 1952 para proteger os ex-combatentes que serviram, como convocados ou não, nos campos de batalha da Itália entre 1944 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. O texto incluiu os pracinhas que integraram a Força Aérea Brasileira, a Marinha de Guerra ou a Marinha Mercante, estendendo o benefício às suas viúvas.

As pomposas aposentadorias são exceção. A maioria dos 2.651 ex-combatentes ainda hoje constantes do cadastro recebem , no máximo, R$ 3.280,35 por mês. Muitos deles, no entanto, não foram à Itália integrando a Força Expedicionária Brasileira, mas valeram-se de uma brecha da lei que beneficiou quem ficou em terra aguardando embarque. É o caso dos práticos dos navios, profissionais encarregados de orientar as embarcações na entrada e na saída dos portos.

Chamada de lei da praia, pois privilegiou quem ficou no litoral brasileiro sem nem sequer ir à guerra, a legislação permitiu aposentadorias integrais no valor do último salário que o ex-combatente marítimo conseguia ao encerrar sua carreira na iniciativa privada. A Previdência sabe que, muitas vezes, o último salário alegado para garantir a aposentadoria era fictício. Mas a Justiça sempre mandou o governo pagar. Com o passar do tempo, restam poucos ex-pracinhas e suas viúvas.

Situação parecida acontece com a lei da anistia. Para receber o valor arbitrado pela Justiça, muitas vezes o ex-anistiado alega que, se não tivesse sido perseguido, teria chegado a determinado cargo na empresa. Embora escandalosas, as pensões acima do teto não podem ser acusadas de agravarem o deficit previdenciário do país. Elas custam muito, mas são poucas. Os 10.645 segurados que ganham acima do teto do INSS (R$ 3.689,66), por exemplo, respondem por R$ 63,7 milhões ao mês aos cofres públicos. As nove aposentadorias acima do teto constitucional (R$ 26.723,13) correspondem a R$ 293,38 milhões. A despesa mensal do INSS com o pagamento de aposentadorias e pensões supera R$ 22 bilhões. (VC)