Título: Duvidar não ofende
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 07/03/2011, Economia, p. 9

Sindicalistas, que até ontem faziam vigília na porta dos ministérios, hoje ocupam gabinetes com direito a motorista e secretária

Nem durante a crise econômica internacional (2008-2009) o governo encarnou um discurso tão duro contra o gasto público voltado ao custeio da máquina. Agora, como o pai que tenta provar aos filhos que é capaz de dizer ¿não¿, o Palácio do Planalto manda recados curtos e grossos aos servidores. Neste ano ¿ na esteira do corte recorde de R$ 50 bilhões no orçamento e sob a sombra da inflação produzida em parte por políticas públicas expansionistas ¿, nada de viagens, de compras e aluguéis de carros e imóveis, de concursos ou de reajustes.

O tom austero impressiona, mas não convence. No DNA deste governo, assim como no de Luiz Inácio Lula da Silva, está o funcionalismo, com suas crenças e lobbies. Sindicalistas, que até ontem faziam vigília na porta dos ministérios, hoje ocupam gabinetes com direito a motorista e secretária. O poder de atração dos prédios da Esplanada sempre foi grande, é maior do que qualquer ideologia e continua mais poderoso do que nunca. O vaivém ilustrado todos os dias pela seção 2 do Diário Oficial nunca mente. Aos que duvidam, fica a dica de leitura.

Os compromissos assumidos com as categorias e todas as promessas feitas às entidades têm um preço que, mais cedo ou mais tarde, será pago. Ainda que não integralmente, mas vai. Vale lembrar que, contra a retórica recheada de restrições ao aumento de quadros e de salários, o Estado precisa se acertar com a realidade. E ela é cruel. Além da pressão política e do barulho feitos pela turma que habita as repartições de Brasília, há a clara deficiência de órgãos federais que, descontado todo o dramalhão mexicano por mais vagas, precisam sim de gente para funcionar e de contracheques atraentes.

Difícil acreditar que o Executivo vai simplesmente fechar as portas do setor público para quem quer entrar e as torneiras para quem nele já está. Ainda que a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, prometa fazer ¿mais com menos¿ e seu colega, Guido Mantega, da Fazenda, diga que os servidores ¿têm como aguentar um tempo sem reajuste¿. Fato um: a história recente prova que o funcionalismo sempre leva no grito. Fato dois: governos temem as corporações. Fato três: interromper o ciclo de reestruturação do Estado pode travar a máquina.

Para recordar De olho nas eleições do ano passado, o governo decidiu em 2009 manter o cronograma de reajustes autorizados ao funcionalismo. Na época, a decisão ¿ puramente política ¿ contrariou recomendações técnicas e elevou a temperatura nos bastidores dos ministérios da área econômica. Lula foi o grande fiador dos aumentos em meio a quedas seguidas de arrecadação e ao esfriamento do ritmo da economia brasileira. A calmaria que tomou conta da Esplanada antes das eleições provou que a aposta bancada pelo ex-presidente foi certeira.

Ao segurar os acordos firmados com quase 50 carreiras, o Palácio do Planalto fez a alegria de cerca de 1,8 milhão de servidores civis, militares, ativos e inativos. Mas não só. De quebra, acabou jogando para os anos seguintes uma fatura das mais pesadas para as contas públicas. E por quê? Porque o pacotaço de bondades de 2008 não se esgotou em si mesmo. Algumas carreiras da administração pública têm neste ano parcelas de aumentos escalonados a receber, outras serão beneficiadas até 2012.

Anualizados, os gastos extras com a mão de obra estatal incrementaram em cerca de R$ 30 bilhões a folha de pagamentos da União. Paulo Bernardo, quando ainda estava no Ministério do Planejamento, chegou a dizer que, se a crise econômica que sacudiu o mundo a partir do estouro da bolha imobiliária americana tivesse ocorrido três meses antes da assinatura dos acordos com os representantes dos servidores federais, ninguém teria recebido aumento, o governo não fecharia trato algum com o funcionalismo. Hoje, ainda ministro (agora, das Comunicações), PB ¿ como é tratado pelos servidores ¿ pensa o mesmo.

Dilma não é Lula! Os sindicatos sabem, os servidores também, mas os ministros ainda não se acostumaram com a ideia de que Dilma não é Lula. Diferentemente dos contingenciamentos orçamentários do passado, neste de 2011 as pastas atingidas pela tesourada tiveram pouquíssima margem de manobra para preservar projetos e programas que julgavam ser estratégicos. Quem definiu as prioridades em nome de cada um dentro da administração direta foi a presidente da República e a ministra Miriam.

O centralismo democrático elevado à última potência deixou marcas e feriu egos. Em se tratando de recursos humanos, isso pode virar um drama. Muita gente do primeiro escalão vem mandando mensagens cifradas a Dilma dizendo que a falta de dinheiro prejudicará o desempenho do governo na ponta do atendimento ao cidadão, na prestação de serviços essenciais e na preparação do país para grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Para quem achava que a temporada de caça a aumentos tardaria a chegar, está aí um sinal óbvio de que não.