Título: Juro não inibe crédito
Autor: Travaglini, Fernando
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2008, Finanças, p. C1

Os empréstimos já estão mais caros para as empresas e boa parte da alta se deve a elevação dos spreads bancários, diferença entre o custo de captação e a taxa cobrada dos clientes. Em média, a alta foi de 2,6 pontos percentuais, desde o início do ano até julho. O movimento puxou os juros para cima, mas não reduziu a demanda por crédito.

Os spreads subiram por conta dos custos mais caros para os bancos, fruto da crise externa e da elevação das taxas dos certificados de depósitos bancários (CDB). Há também um componente de risco maior, seja pela incerteza sobre a situação econômica global, seja pela expectativa de inflação, que baliza os juros futuros, piso do crédito.

Em algumas linhas, como na modalidade de conta garantida para pequenas e médias, espécie de cheque especial para as empresas, os spreads subiram 10,5 pontos, desde janeiro até julho, segundo dados do Banco Central. No desconto de duplicata, a taxa já cresceu 5,6 pontos no período.

Pelo menos por enquanto, os bancos têm conseguido repassar os preços para as empresas, reduzindo o impacto na rentabilidade das instituições. Assim, o custo do dinheiro não pára de subir para as companhias, em parte pela alta dos spreads, em parte pelo processo de aperto monetário iniciado em abril pelo Banco Central, que já elevou a Selic em 1,75 ponto, para 13% ao ano.

Desde o início do ano, em média, a taxa de juros para as companhias cresceu 4,6 pontos percentuais, para 27,5% ao ano. Nas linhas prefixadas, mais usadas por empresas de pequeno e médio portes, a elevação atingiu 5,9%, para 38,1% ao ano. Nas taxas flutuantes, para as grandes companhias, o aumento foi menor, de 2,3%, para 20,4% ao ano.

Por outro lado, os prazos dos empréstimos pararam de subir. Se em 2007 houve um avanço médio de 40 dias, atingindo 275 dias em média, em 2008 já houve recuo de nove dias desde janeiro.

Apesar desse processo, os bancos não esperam redução da procura das empresas por crédito até o fim do ano. O otimismo para os meses finais de 2008 se mantém mesmo com os primeiros sinais de desaquecimento da demanda e o processo de elevação das taxas de juros.

Nos últimos anos, as companhias mudaram de patamar, principalmente com as aberturas de capital na bolsa, e elevaram suas necessidades operacionais, afirma Sérgio Clemente, diretor-executivo do Bradesco. "As empresas estão maiores e demandam mais capital de giro para suas atividades. Mas há, nesse momento, uma seletividade muito grande nas emissões externas e menor liquidez para as empresas captarem no exterior."

Ele lembra ainda mais um fator que tem impulsionado as operações de crédito. "Há muitas operações-ponte aguardando recursos do BNDES. Existe um determinado prazo de liberação e durante esse período, em que as empresas já iniciaram os investimentos, contam com recursos dos bancos". Esses empréstimos-ponte também são feitos no aguardo de um melhor momento para emissões de renda fixa no mercado externo. "As empresas preferem tomar no curto prazo e alongar quando as taxas cederem."

Antonio Pulchinelli, superintendente do Banco Real explica que o otimismo se justifica pela sazonalidade do período. "Entre 60% e 65% da produção dos bancos se dá no segundo semestre." O mercado, afirma, está especialmente aquecido para pequenas e médias, com uma disponibilidade muito grande de recursos e forte concorrência entre os bancos.

André Brasil, diretor-executivo do Banco Mercantil do Brasil, ressalta, no entanto, que poderia ser mais forte se não fosse alta de juros e crise lá fora. "Há uma conjunção de fatores, com funding mais caro e escasso e um aumento do custo do dinheiro. Por isso, a perspectiva de crescimento não é tão elevada quanto foi no primeiro semestre."

Henrique Vianna, diretor de médias e grandes empresas do HSBC, acredita que os últimos meses do ano serão bons, mas que, devido à crise externa, às taxas de juros em alta no mercado interno e à inflação, o período será "um pouco pior do que foi o primeiro semestre".

Seu colega de HSBC, Daniel Zabloski, diretor de pequenas empresas, avalia que para as pequenas a alta de juros terá pouco relevância. "Esse setor já está inserido dentro de um processo em que as taxas já são mais altas. Quando a Selic sobe 0,5 ponto percentual, o impacto é pequeno."

Os executivos do HSBC ressaltam um aspecto positivo do atual momento, que é a elevação dos investimentos. Hoje, entre as pequenas, cerca de 15% a 20% dos recursos são destinados para investimento. Já nas médias, mais de 30% vão para ampliação, com tendência de crescimento.

No Banco Máxima, a aposta também se concentra no segmento de "middle market", segundo Ricardo Mello, diretor da instituição. "Diferentemente do varejo, na pessoa jurídica há espaço para manutenção das margens, apesar do aumento dos custos. O consignado, por exemplo, está muito impactado pelos tetos das taxas e não há espaço para repasse. O mercado mais atrativo para os bancos médios em 2008 e 2009 é o de crédito para empresas".

O segmento que mais cresce é o de pequenas e médias também no Banco ABC Brasil, afirma Sérgio Lulia Jacob, vice-presidente executivo da instituição. "São empresas que investiram bastante, começaram a se profissionalizar e estão mais transparentes. Até o ambiente jurídico está melhor para se trabalhar com as garantias."

Para 2009, no entanto, Jacob afirma que o cenário pode mudar. "Os bancos têm tomado uma cautela muito grande no nível de provisões. Estamos num momento em que a inadimplência está menor do que sempre foi. As perdas de crédito têm sido menores que as séries históricas e é possível que voltem para níveis normais, até pela alta da Selic e pelas condições da economia mundial."