Título: Mulheres na agricultura: brechas de desenvolvimento
Autor: Bojanic, Alan; Anriquez, Gustavo
Fonte: Correio Braziliense, 07/03/2011, Opinião, p. 11

O primeiro é oficial a cargo da representação da FAO na América Latina e no Caribe; o segundo, economista da mesma instituição Ao nos aproximarmos do centenário do Dia Internacional da Mulher, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) nos convida a refletir sobre o papel e a situação das mulheres na agricultura.

Na nova edição do seu relatório anual O estado da agricultura e alimentação, a FAO apresenta um diagnóstico surpreendente e preocupante sobre a situação das mulheres no campo, realizado a partir de uma análise sobre a realidade dos agricultores e das agricultoras do planeta.

Embora as famílias chefiadas por mulheres nem sempre sejam mais pobres que aquelas chefiadas por um homem, o relatório mostra que as agricultoras se encontram em uma posição de desvantagem em termos da utilização e acesso a bens (como terra, gado e máquinas), insumos (fertilizantes, pesticidas e sementes melhoradas) e serviços (crédito agrícola e de extensão) importantes para a produção agrícola.

O que é realmente novo e surpreendente sobre essa avaliação é que, não importando o tamanho da brecha, essa assimetria é observada em todas as regiões do planeta, e se repete nos diversos âmbitos nacionais, culturais, políticos e religiosos.

Se agregarmos a essa desigualdade que as mulheres não são intrinsecamente menos produtivas que os homens, conclusão a que chegam diversos estudos de campo, podemos concluir que essa distribuição de bens e recursos tem um custo em termos de produção.

O estado da agricultura e alimentação estima que uma distribuição mais equitativa dos bens, insumos e serviços agrícolas poderia contribuir a um crescimento da produção de alimentos no mundo entre 2,5% e 4%.

Além disso, uma expansão da produção agrícola dessa magnitude poderia reduzir o total de pessoas subnutridas no mundo de 100 a 150 milhões de pessoas, dentro de um universo de quase um bilhão de pessoas, segundo as estimativas da FAO.

Na América Latina e no Caribe, a questão da mulher no campo tem estado em grande parte ausente dos debates de política e de gênero. No entanto, podemos observar a ocorrência nas últimas décadas de profundas mudanças econômicas e sociais com duradouras consequências. Como nas cidades, mais e mais mulheres têm deixado o trabalho doméstico não remunerado e ingressando ao mercado de trabalho no campo, participando em indústrias direta ou indiretamente relacionadas com a agricultura.

Essa profunda reforma socioeconômica não tem apenas manifestações nos mercados de trabalho, mas também dentro das famílias rurais: a renda que as mulheres trabalhadoras contribuem ao orçamento familiar reforça sua posição na tomada de decisões domésticas.

O empoderamento da mulher também melhora outros indicadores de bem-estar familiar, como alimentação e educação, como demonstra estudos realizados no Brasil e em outros países. Isso não acontece somente por causa da receita adicional, mas porque ¿ como tem sido demonstrado em muitos estudos de caso onde as mulheres controlam uma parcela maior do orçamento familiar¿, quando as mulheres controlam uma maior parte do orçamento familiar, proporção dos gastos com alimentação, saúde e educação tende a aumentar significativamente. Estas mudanças são bem-vindas porque melhoram o bem-estar não só das mulheres, mas de seus filhos e das famílias como um todo.

No entanto, ainda há muito a ser feito. A proporção de propriedades rurais controladas por mulheres tem subido de maneira notável na região, mas, como em outras localidades do mundo, elas têm menos terra e menor acesso a outros bens, serviços e insumos agrícolas. É do interesse de todos ir eliminando progressivamente essa desigualdade de oportunidades.

Embora cada país tenha suas características particulares, existem recomendações gerais que podem ser seguidas. Em primeiro lugar, está a necessidade de eliminar todas as formas de discriminação legal. Isso diz respeito não somente à legislação, mas também à sua aplicação pelos funcionários responsáveis. Eliminar a discriminação no trabalho também requer reconhecer limitações de tempo que enfrentam as mulheres devido à sua dupla função como trabalhadoras/produtoras e chefes de família, e oferecer a elas serviços como extensão e crédito de maneira facilitada, como o Brasil está fazendo por meio do Pronaf-Mulher.