Título: Justiça sinaliza fim de ação criminal
Autor: Aguiar, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2008, Legislação e Tributos, p. E1

Apesar de ainda existirem poucas decisões, os tribunais brasileiros começam a sinalizar a possibilidade de encerrar processos penais contra empresas que assinam termos de ajustamento de conduta (TACs) por terem supostamente cometido crimes ambientais. Ainda que a maioria dos casos que chegam à Justiça tenda pela separação das duas esferas processuais - a penal, que julga o crime ambiental e prevê penas de prisão dos administradores, e a cível, que julga a indenização devida pela empresa por ter provocado o dano e as regras que a empresa deve seguir a partir dele - já tem havido uma alteração nesse cenário.

De acordo com a advogada criminalista Helena Regina Lôbo da Costa, do escritório Reale e Moreira Porto Advogados, duas decisões de tribunais superiores confirmam a mudança. Uma delas é do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em um caso concreto determinou o encerramento do processo penal diante da assinatura de um termo de ajustamento de conduta na esfera cível. A outra é do Supremo Tribunal Federal (STF), onde um voto do ministro Ricardo Lewandowski dado em um habeas corpus julgado em agosto levantou a possibilidade de dar fim à ação penal caso ela trate do mesmo tema do TAC. Há ainda três decisões no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) favoráveis à exclusão da ação penal nesses casos. Para a advogada, se esse entendimento começar a ser adotado pela Justiça, dará fim a um dos grandes receios das empresas em assinarem termos de ajustamento de conduta. "Já assessorei alguns casos em que a empresa desistiu de assinar o TAC por ainda haver a possibilidade de ter que enfrentar um processo penal pela frente mesmo assim", diz. Segundo ela, a empresa pode tentar um acordo com os promotores do Ministério Público, responsáveis pelas denúncias de crimes ambientais, para que seja extinta a ação penal como condição para assinar o TAC - mas na maioria das vezes não há a possibilidade de negociação.

Segundo Helena Lôbo, não tem sido poucas as empresas que se surpreendem com processos criminais após a assinatura de termos de ajustamento de conduta. "A assinatura do TAC não quer dizer que a empresa assumiu sua culpa, mas que optou por fazer um acordo em vez de enfrentar um processo civil, que muitas vezes pode ser prejudicial para sua imagem. Mas muitos promotores da área cível têm encaminhado o termo para a área criminal como se fosse uma confissão de culpa, o que traz ainda mais dor de cabeça paras as empresas", diz.

Um dos exemplos em que houve a possibilidade de exclusão do processo criminal com a assinatura do TAC - ainda que em um caso referente a danos contra o patrimônio público - ocorreu no caso da reforma da Estação da Luz, em São Paulo. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), responsável pela obra, se comprometeu, em maio de 2007, a fazer diversas correções em erros de acabamento ocorridos durante a restauração e modernização da área interna da estação, concluída em 2005. No caso, a procuradora da República Rosane Cima Campiotto se comprometeu a arquivar o inquérito civil público e a propositura de uma ação penal caso todas as exigências fossem cumpridas.

Para a advogada, a melhor saída seria a criação de uma nova norma que vinculasse as esferas em caso de termos de ajustamento de conduta firmados pelos ministérios públicos e empresas. "Essa situação tem causado uma insegurança jurídica muito grande para as empresas", diz. O advogado criminalista David Rechulski, do escritório Rechulski e Ferraro Advogados, também acredita que o ideal seria uma modificação na lei ambiental que excluísse a possibilidade de uma ação penal após a assinatura de termos de ajustamento, mas conta que já tem conseguido negociar com os promotores em alguns casos. "Na maioria das vezes eles são resistentes a essa exclusão, mas já tenho percebido uma abertura maior ao diálogo nesses casos, principalmente com o Ministério Público Federal", diz.

Rechulski já conseguiu negociar com sucesso a exclusão de um processo criminal contra uma empresa do setor de construção civil em Salvador após o cumprimento do termo de ajustamento de conduta. A empresa participou da construção de uma obra pública e foi acusada de causar danos ambientais pela utilização de explosivos, com o assoreamento de córregos, por exemplo. Após o cumprimento do TAC, firmado para recuperar o dano, e o pagamento de uma multa cujo valor foi destinado a uma entidade de preservação ambiental local, foi determinada a exclusão da ação penal, segundo o advogado.

Já uma empresa de telefonia que o advogado assessora no Rio Grande do Norte pode ter que responder criminalmente mesmo já tendo cumprido as exigências do termo de ajustamento para reparar danos causados pela instalação de antenas consideradas nocivas à população em algumas regiões. No caso, o promotor acaba de apresentar uma proposta de transação penal após o TAC - ou seja, pretende impor uma nova multa e novas restrições no mesmo caso para que seja encerrada a possibilidade de uma ação penal. Rechulski, que só assumiu a defesa da empresa após a assinatura do termo, deve argumentar que isso "seria uma dupla punição pelo mesmo crime", já que a conduta já foi reparada no próprio TAC.

Já o promotor de Justiça do Rio Grande do Norte, Eduardo Medeiros Cavalcanti, faz parte de uma minoria de promotores no país que acredita na possibilidade de exclusão da ação penal para que haja a assinatura do TAC. Para ele, que debateu o tema durante o 14º Seminário Internacional de Ciências Criminais do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) ao lado da advogada Helena Lôbo, ocorrido na semana passada, "falta coragem ao Ministério Público em assumir que o TAC é uma forma eficaz de resolver o problema e que, se em nome dessa efetividade for necessário abrir mão da ação penal, que esta seja excluída para que haja a reparação ambiental." Segundo o promotor, não seria uma grande perda abrir mão do processo penal em casos ambientais, até porque, afirma, as sanções previstas são praticamente as mesmas já aplicadas pelos órgãos administrativos. "O risco de uma ação penal tem um efeito simbólico, já que isso pode causar problemas na imagem da empresa, mas na prática não tem eficácia na prática", diz.

Para o advogado criminalista Celso Vilardi, do escritório Vilardi Advogados, a exclusão do processo criminal quando a empresa assina um TAC é salutar, mas esse não deve ser o entendimento a prevalecer na Justiça. "Cuido de inúmeros casos em que a Justiça decide que o TAC não teria o condão explícito de excluir a conduta penal e acho difícil que haja uma modificação significativa para esse entendimento, a não ser que haja uma mudança na lei ambiental", acredita.

Segundo Vilardi, infrações ambientais leves não teriam a necessidade de ensejar processos criminais. É o caso dos proprietários de uma fazenda no interior de São Paulo que assessora. De acordo com Vilardi, eles refizeram a margem de uma represa que passa na propriedade porque ela tinha desabado por conta de uma chuva forte, e , além de terem que passar por um termo de ajustamento de conduta, tiveram que responder uma ação penal. "Esse tipo de punição é desproporcional. Uma ação criminal só deveria ser aplicada em casos gravíssimos", acredita.