Título: Todos querem votar
Autor: Pavini, Por Angelo
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2008, Investimentos, p. D1

A maior crítica ao mercado de capitais brasileiro, a grande presença de ações sem direito a voto, as preferenciais, ou PN, está aos poucos perdendo sua justificativa. Levantamento feito pela empresa de consultoria Economática para o Valor mostra que as ações PN estão ficando para trás no volume de negócios da Bovespa nos últimos três anos de maneira expressiva. E, olhando-se a composição do capital das empresas, a boa surpresa é que as ações ordinárias, ou ON, com voto, já eram maioria há algum tempo e agora estão aumentando a vantagem ainda mais.

De dezembro de 2004 para cá, a participação das ações preferenciais no volume negociado da Bovespa caiu de 80,7% para 59,7% em agosto deste ano - usando como parâmetro a média trimestral de negócios, exceto para o último período, que pega a média apenas de julho e agosto deste ano. Já a fatia das ordinárias cresce de 18,9% do volume de negócios em dezembro de 2004 para 37,3%. No período, aumentou também a participação dos certificados de ações, ou units, que podem reunir lotes de ações ON ou PN de uma empresa, caso do Unibanco, por exemplo. A fatia das units no volume passou de 0,5% em 2004 para 3% agora.

Já no valor de mercado das empresas, o crescimento das ordinárias também é expressivo: de 55,8% em 2004 para 66,8% agora. As preferenciais passaram a representar um terço do capital total da bolsa. Claro que esses números são gerais. Olhando caso a caso, o que se verá é que muitas empresas ainda têm grande participação de ações preferenciais, especialmente as mais antigas. Mas a tendência geral do mercado é de aumento das ações com voto, diz Fernando Exel, presidente da Economática.

Uma das explicações para esse aumento das ações ordinárias é a criação do Novo Mercado da Bovespa e o movimento de valorização dos direitos do minoritário. Como somente empresas que tenham só ações ON podem participar do segmento mais valorizado da bolsa pelo acionista, várias empresas decidiram converter suas ações preferenciais em ordinárias. É o caso de Banco do Brasil (BB), Eternit, Embraer, Romi, Perdigão e Weg. Mas o grande impulso para as ON veio mesmo a partir de 2005, com a alta dos preços das ações, o que incentivou as empresas a valorizarem seus papéis, preparando-se para captar, lembra Exel.

Um dos fatores para esse impulso foi a pressão dos investidores, muitos deles estrangeiros, querendo mais ações ordinárias para garantir que teriam mais direitos, como o 'tag along' (direito a receber parte do prêmio pago ao controlador em caso de venda) e que só é garantido por lei para as ON. Mas o principal fator foi mesmo a onda de aberturas de capital a partir de 2005, afirma Exel. A maioria das novas empresas preferiu estrear no Novo Mercado, já tendo apenas ações ordinárias em seu capital. "Com isso, o estoque de ações ordinárias no mercado aumentou bastante", diz o executivo.

Segundo levantamento feito pelo Valor junto à Bovespa, das 110 empresas que iniciaram seus negócios na bolsa de 2004 para cá, com a emissão de R$ 88,456 bilhões, 79 foram no Novo Mercado, o que equivale a R$ 69,8 bilhões em novas ações ON. E, nas 31 restantes, 23 foram para os níveis 1 e 2, nos quais metade dos papéis pelo menos devem ser ações ordinárias - ou seja, do valor captado por essas novatas, de R$ 14,4 bilhões, cerca de R$ 7 bilhões seriam papéis ON, elevando o total de novas ações ON para quase R$ 77 bilhões. Oito empresas lançaram recibos de ações emitidas no exterior, ou BDRs, no valor de R$ 4,231 bilhões.

O que está acontecendo no Brasil é a prevalência das ordinárias, que é o caminho correto, com a redução do peso das preferenciais, afirma Exel. Desde 2001, a Lei das S/A determina que as novas emissões respeitem a divisão de 50% para ON e 50% para PN. Antes, as empresas podiam emitir dois terços de PN e um terço de ON. Além disso, a lei estabeleceu que as ações ordinárias teriam direito a 80% do prêmio pago ao controlador em caso de venda da companhia. Mas, segundo Exel, muitas empresas já vinham aumentando a parcela de ON em suas emissões. Algumas, por sua vez, sempre tiveram seu capital formado apenas por ON, caso da fabricante de cigarros Souza Cruz.

Um exemplo da maior presença de ações ON foi a oferta bilionária da Vale, feita recentemente. Na operação, foram vendidos ao mercado 257 milhões de ações ordinárias e 164 milhões de preferenciais. Mas, antes disso, a divisão do capital total da Vale já era favorável às ordinárias, com 3 bilhões de ações ON e 1.960 bilhões PN. Como a Vale vendeu as ações ordinárias a R$ 46,28 por ação, foram mais R$ 11,893 bilhões em papéis com direito a voto que entraram no mercado.