Título: As concessionárias de telefonia e a internet
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2008, Legislação & Tributos, p. E2
Foram fartamente noticiadas, nos últimos meses, as propostas de mudanças no Plano Geral de Outorgas (PGO), visando a adequá-lo, segundo os escritos mais ácidos, à compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi, antiga Telemar. Na mais recente dessas publicações, atribui-se ao ministro das Telecomunicações uma posição contrária à da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e favorável à possibilidade de as companhias telefônicas explorarem diretamente o provimento de acesso à internet, via banda larga.
Aduz a notícia que, prevalecendo o entendimento da Anatel, "as concessionárias terão de prestar "exclusivamente" o serviço de telefonia fixa (telefonia local, interurbanos e chamadas internacionais). Que para os demais serviços, como acesso à internet por banda larga, terão que criar uma empresa específica" (edição de 18 de junho de 208 do jornal "O Estado de S. Paulo").
Essa discussão, todavia, é totalmente descabida, porquanto a restrição já vige, embora pareça angelicalmente esquecida. Mais que isso, a vigente restrição tem uma amplitude muito maior do que a que se está imaginando criar. É que a atual Lei Geral de Telecomunicações já estabelece a obrigatoriedade de as concessionárias explorarem exclusivamente os serviços de telecomunicações e, na prática, as concessionárias já separam, em empresas distintas, o fornecimento do serviço de telefonia fixa do de provimento de banda larga.
A discussão que se coloca, portanto, não é essa, mas por que os órgãos controladores, de fiscalização e prevenção, até hoje nenhuma medida efetiva tomaram visando ao combate dessa prática anticoncorrencial. Melhor explicando: a denominada banda larga é uma tecnologia de transmissão de dados em alta velocidade, utilizada, entre outras finalidades, para provimento à internet. E, segundo classificação da Lei Geral de Telecomunicações, aqueles que se dedicam a essa atividade prestam, tecnicamente, um serviço de valor adicionado que, apesar de ser dele dependente, não é - nem com ele se confunde - serviço de telecomunicações, conforme dispõe o caput e o parágrafo 1º do artigo 61 da legislação.
-------------------------------------------------------------------------------- As concessionárias criaram empresas específicas pelas quais passaram a explorar o acesso à internet --------------------------------------------------------------------------------
Não é à toa, aliás, que se faz essa distinção entre serviço de telecomunicações e serviço de valor adicionado. É que, mais adiante, a Lei Geral de Telecomunicações estabelece que a concessão só poderá ser outorgada a empresa "criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão", como estabelece o caput do artigo 86. Ora, se serviço de telecomunicações é legal e tecnicamente diferente de serviço de valor adicionado, e se as concessionárias vencedoras do certame podem explorar exclusivamente o primeiro, é evidente que a lei vedou, a essas mesmas empresas, explorar também o segundo.
Com isso, todavia, as concessionárias não se resignaram. Vislumbrando lucro no crescimento desse segmento econômico, apto talvez a compensar-lhes o inegável decréscimo de receitas com a telefonia fixa havido nos últimos tempos, elas criaram empresas específicas, por elas mesmas controladas, através das quais passaram a explorar também o provimento de acesso à internet, assim agindo de forma anticoncorrencial e não isonômica em relação aos provedores independentes - aqueles, em suma, não ligados às gigantes da telefonia fixa.
Mais do que princípios constitucionais - presentes nos artigos 5º e 170, inciso IV, da Constituição Federal -, isonomia e livre concorrência são preceitos maiores igualmente previstos na Lei Geral de Telecomunicações, em seus artigos 2º , inciso III, 3º , inciso III, 106 e 107. E mesmo cobrando da sua subsidiária e do provedor independente o mesmo valor, a concessionária de telefonia não está oferecendo, às duas empresas, condições isonômicas de tratamento. Esse preço é custo real e efetivo para o provedor independente, que de fato o desembolsa. Já para o provedor da concessionária, embora lançado como tal em seus livros contábeis, tal custo não existe real e efetivamente, na medida em que a quantia paga permanece no mesmo grupo econômico a que ele pertence.
Ao fim, o provedor independente acaba tendo que concorrer não somente com o provedor da empresa de telefonia mas com ela própria e todo o seu conglomerado econômico, o qual, para piorar, detém o monopólio de fornecimento do seu insumo essencial (o serviço de telecomunicações). Assim, convenhamos, não dá para competir.
Afranio Affonso Ferreira e Alexandre L. Buttazzi são advogados e sócios do escritório Manuel Alceu Affonso Ferreira - Advogados
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