Título: A tempestade perfeita
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2008, Investimentos, p. D1

Desaceleração americana, com o mundo a reboque. Crise prolongada no setor hipotecário dos EUA, com grandes perdas no sistema financeiro das economias centrais. E inflação ainda às portas de países importantes, apesar da queda acentuada nas commodities. Essa é a receita do coquetel que resulta em um cenário desolador e no rápido aumento da aversão ao risco mundial, levando os estrangeiros a vender ativos mais líquidos para cobrir prejuízos em outros mercados. Um movimento que derruba a bolsa brasileira, o real e eleva os juros futuros. Esse quadro sombrio pode se prolongar por algum tempo, apesar de as ações brasileiras estarem muito abaixo do que sugerem os fundamentos. O motivo é a fuga para portos mais seguros, como a renda fixa americana.

Ontem, essa percepção ganhou um tom preocupante, provocando quedas relevantes nos principais mercados do mundo, especialmente nas bolsas de valores. No Brasil, o Ibovespa chegou a cair 4,34%, abaixo dos 51 mil pontos, mas fechou em queda de 3,96%, aos 51.408 pontos. É o menor nível desde 21 de agosto de 2007 (49.815 pontos). No ano, o índice cai 19,53%.

"O mais provável agora é a bolsa brasileira desistir do hexacampeonato de alta para ter um bicampeonato de queda, este ano e em 2009", diz o diretor de investimentos da Fundação Cesp, Jorge Simino. Tal situação descola do desempenho das empresas brasileiras, que ainda é muito bom, e dos preços das ações, muito abaixo do considerado justo. "Os fundamentos servem apenas como um freio para os papéis não caírem tanto, mas não conseguem impedir os estragos causados pelo fluxo furioso de saída", diz Simino.

Ao que tudo indica, as perdas com os papéis hipotecários de alto risco ("subprime") estão só no começo e são esses prejuízos que têm estimulado a saída de recursos, afirma Simino. Pelos cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), as perdas totais devem ser em torno de US$ 950 bilhões, dos quais US$ 550 bilhões já reconhecidos no balanço dos bancos. Já o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga estimou recentemente que os prejuízos rondam o US$ 1,5 trilhão. "Na melhor das hipóteses, metade das perdas são públicas e, na pior, chegamos a apenas um terço delas", diz Simino.

Enquanto as perspectivas são de que as economias desenvolvidas reduzirão o passo ou até engatarão a marcha à ré, o dilema está em avaliar se os emergentes, que exibiram taxas de crescimento brilhantes nos últimos anos, serão capazes de manter o dinamismo, diz o diretor de administração de recursos da SulAmérica Investimentos, Marcelo Saddi. "A impressão é que, a despeito da menor expansão, o ritmo seguirá saudável, com vários emergentes crescendo até mais do que se esperava, leia-se Brasil." A projeção da casa para o crescimento brasileiro é de 5% este ano, caindo para 3,8% em 2009.

Mesmo com tal redução, os lucros projetado das empresas listadas na bolsa seguirão crescentes, o que pode significar que já tem muita ação barata no pregão. Saddi lembra que, em poucos meses o Ibovespa caiu quase 35% em dólar, um movimento expressivo, que pode ser o sinal verde para novos investimentos - mas só para os corações mais frios. Para ele, a queda das ações ligadas à cadeia de commodities foi desproporcional ao tombo das matérias-primas no mercado internacional e o Ibovespa ainda tem chances de entregar ganhos maiores do que a renda fixa neste ano. "Os ativos adquiriram um movimento que não combina necessariamente com os dados da economia real."

Quando se olha a dinâmica de oferta e demanda de setores como siderurgia e mineração, a desaceleração global não é visível, reitera o economista-chefe do Banco Geração Futuro, Gustav Gorski. A China pode não crescer 10%, mas não deve apresentar uma expansão menor do que 8%, o setor siderúrgico é oligopolizado, o de petróleo é monopólio em alguns mercados e, na mineração, só três empresas respondem por 80% da produção mundial, lista o economista. A reação pode não ser para agora, mas ele lembra que, quando a recuperação chega, o movimento costuma ser muito rápido. "Basta lembrar que os "hedge funds" têm mais de US$ 150 bilhões em caixa para investir em "equity" e que os investidores de portfólio (os fundos de pensão e as fundações estrangeiras) ainda não aprovaram a alocação para o Brasil levando em conta o "investment grade"."

Apesar de ter saído do pico de 73.516 pontos em 20 de maio para a casa dos 51 mil pontos, não dá para dizer que a correção do Ibovespa acabou, diz Alexandre Póvoa, economista-chefe da Modal Asset Management. "Nessa hora, o que conta é fluxo, não fundamentos." Para ele, um dos grandes riscos é que a queda das commodities siga provocando saques nos fundos dedicados a matérias-primas e a emergentes - ele cita o caso do "hedge fund" Ospraie, que anunciou que fechará as portas depois de perdas superiores a 38% no ano -, empurrando ladeira abaixo não só as ações da Vale e da Petrobras , como as siderúrgicas e as empresas de papel e celulose.

Póvoa acredita que as commodities seguirão se desvalorizando, mas sem quedas abruptas. O petróleo já caiu mais de 25% desde o pico de US$ 145,29 o barril, mas a cotação ainda é 40% maior do que um ano atrás (a US$ 75,08). "O que está havendo é um reavaliação nos preços diante de uma correção do cenário econômico global." Até três meses atrás, havia a crença de que só os EUA iriam sofrer os impactos da crise do "subprime" e que o resto do mundo sairia ileso. Isso ajudou a alavancar as commodities, enfraquecendo o dólar. A percepção agora é que a desaceleração é mesmo global.