Título: Alta do dólar deve ter impacto pequeno sobre a inflação
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 08/09/2008, Brasil, p. A4

Alta do dólar deve ter impacto pequeno sobre a inflação

O dólar voltou a superar a barreira de R$ 1,70 na semana passada, mas a trajetória de alta da moeda americana não deve causar grandes danos à inflação nos próximos meses. Além de a maior parte dos analistas esperar um avanço limitado do dólar, há um outro movimento em curso que tende a aliviar a pressão sobre os preços: a queda das cotações de commodities - um dos fatores, aliás, que ajudam a explicar a perda de valor da divisa brasileira nas últimas semanas. O câmbio só se tornará mais preocupante para a dinâmica inflacionária, segundo alguns economistas, se atingir a casa de R$ 1,90 a R$ 2, e lá ficar por um período razoável de tempo. Nelson Perez/Valor

Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, da corretora SLW, agora prevê para o fim do ano taxa de câmbio de R$ 1,65

Para as contas externas, o efeito de um câmbio um pouco mais desvalorizado deve ser pouco relevante. A expectativa é que o déficit em conta corrente (as transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior) continue a se deteriorar neste ano e também no próximo.

Ao mesmo tempo em que não se espera uma disparada do dólar nas próximas semanas e meses, há uma perspectiva crescente de que um câmbio caindo para a casa de R$ 1,50 não faz mais sentido. Tudo indica que a moeda americana vai oscilar num nível mais alto. O movimento das últimas semanas é atribuído principalmente a fatores externos - a recuperação de terreno do dólar em relação a outras moedas e à queda dos preços de commodities, com a avaliação dominante de que o ritmo de crescimento da economia global está sofrendo um baque forte.

O economista Fernando Rocha, da JGP Gestão de Recursos, nota que as moedas de outros grandes exportadores de produtos primários, como Austrália, Canadá, Nova Zelândia e África do Sul, também se desvalorizaram nos últimos dias. A piora das contas externas brasileiras teria no máximo um efeito secundário nesse processo. "A deterioração da conta corrente não é determinante para explicar a atual desvalorização do real", diz.

Mesmo antes da turbulência que atingiu o mercado de câmbio na semana passada, o economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, já acreditava num dólar mais caro no fim do ano. Ele projeta um câmbio a R$ 1,75 em dezembro, num cenário de preços de commodities mais baixos e com um balanço de pagamentos menos robusto. Para ele, o dólar na casa de R$ 1,75 a R$ 1,80 não é preocupante do ponto de vista da inflação, principalmente porque as commodities devem se acomodar num nível mais baixo. Do começo de julho para cá, o índice de commodities agrícolas da Rosenberg & Associados caiu 19,83% e o de metálicas, 16,46%. O movimento tem aliviado a inflação. Em agosto, o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) teve deflação de 0,32%, queda que se deveu em grande parte ao tombo dos produtos agropecuários no atacado. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu só 0,28% no mês passado, ajudado pela queda de 0,18% dos alimentos.

Teles acredita que o câmbio só começará a causar mais estragos na inflacionário se buscar a casa de R$ 2 e ficar nesse patamar por um período prolongado. Ele projeta um IPCA de 6,2% neste ano - abaixo do teto de 6,5% da banda de tolerância para a meta de inflação. Para 2009, Teles aposta num IPCA de 5%, com um dólar entre R$ 1,80 e R$ 1,85 no fim do ano.

Rocha diz que hoje a possibilidade de uma alta da moeda americana é bem maior do que quando o país tinha uma conta corrente superavitária - para este ano, ele projeta um rombo de US$ 32,8 bilhões. "Hoje, os riscos para a trajetória dólar são mais equilibrados, diferentemente dos últimos anos, quando a tendência era de queda."

Mesmo com essa ressalva, ele avalia que é cedo para mudar a sua projeção de R$ 1,60 para o dólar no fim deste ano e de R$ 1,68 para o fim do ano que vem. Para Rocha, a moeda americana tende a voltar a cair, passada a turbulência mais forte no cenário externo. E, apesar do déficit em conta corrente, as perspectivas para a conta de capitais (que inclui os investimentos estrangeiros diretos e as aplicações em renda fixa e ações) continuam positivas, diz Rocha. O volume de investimentos diretos deve ficar em US$ 35 bilhões neste ano e em US$ 30 bilhões no ano que vem. Para completar, lembra Rocha, o país tem reservas de US$ 200 bilhões.

Como Teles, Rocha também afirma que o comportamento das commodities pode compensar o eventual impacto inflacionário de um dólar mais caro, fazendo algumas simulações para reforçar o raciocínio. Em seu cenário básico, com o índice de commodities CRB em 400 pontos na média do ano que vem (na sexta-feira, fechou em 367,70) e o dólar a R$ 1,68 em dezembro, o IPCA fecharia 2009 em 4,9%. Se o índice ficar em 360 pontos - ou seja, 10% abaixo da média do cenário básico -, a inflação cairia para 4,3%, com o câmbio nos mesmos R$ 1,68. E se o dólar subir para R$ 1,80 no fim de 2009? Nesse caso, com um CRB de 360, o IPCA ficaria em 4,7%, próximo do centro da meta, de 4,5%. Outras variáveis influenciam a trajetória da inflação, é claro, mas o exercício de Rocha mostra que as e commodities num nível mais baixo podem compensar o dólar mais alto.

Depois da alta do dólar nas últimas semanas, o economista-chefe da corretora SLW, Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, revisou sua previsão para a taxa de câmbio no fim deste ano de R$ 1,55 para R$ 1,65. É uma mudança modesta, que não o faz revisar a sua aposta de um IPCA de 6,1% para este ano. Para ele, quando diminuir a incerteza externa, o elevado diferencial entre os juros brasileiros e externos deve voltar a atrair recursos estrangeiros para títulos de renda fixa do país. Uma acomodação das commodities nos níveis atuais seria bastante saudável para o Brasil e para o mundo, acredita Gomes Filho. Segundo ele, um tombo maior desses produtos poderia ser complicado, levando a uma desvalorização muito acentuada do real, que, aí sim, seria preocupante.

O impacto do dólar mais caro deve ser pouco expressivo para as contas externas no curto prazo, diz a economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg. Primeiro, porque até o momento a expectativa é de uma alta modesta da moeda americana, o que deve dar pouco refresco para o exportador e tampouco tende a ser suficiente para travar as importações, afirma ela. Além disso, o aumento do dólar é em parte contrapartida da queda das commodities, que respondem a cerca de 62% das exportações brasileiras. Com isso, o déficit em conta corrente deve seguir em alta neste ano e também em 2009.