Título: Economista quer recursos para educação infantil
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2008, Brasil, p. A3

O economista Aloisio Araújo defende o uso de parte dos recursos a serem obtidos com o petróleo da camada pré-sal na melhora da educação infantil. Professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Araújo diz que esse investimento teria uma "altíssima taxa de retorno" para um país com graves deficiências educacionais.

Deixar todo o dinheiro aplicado no exterior para ser usufruído pelas futuras gerações - como sugerem outros analistas ortodoxos - não é a melhor opção para o Brasil, diz Araújo. Ele ressalta, porém, a necessidade de que a utilização dos recursos seja fiscalizada com muito rigor. Araújo considera ainda que outra parte da receita a ser proporcionada pelo petróleo também pode ser usada para a redução da elevada carga tributária brasileira. Com mais dinheiro em caixa, o governo pode aproveitar para cortar impostos, aumentando a eficiência da economia.

Para Araújo, a situação do Brasil é bem diferente da de um país como a Noruega, que deixa o dinheiro das receitas do petróleo num fundo no exterior. Com renda per capita altíssima e uma educação de qualidade, reservar todos os recursos para o futuro faz sentido para o país nórdico, mas não para o Brasil, diz ele. "Espero que a sociedade brasileira esteja madura para fazer algo diferente do que faz a Noruega. Aplicar os recursos na educação infantil tem um rendimento para as gerações futuras muito maior do que investir num título no exterior", afirma Araújo, que também é professor do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

Ele também destaca a necessidade de o país afastar o risco do "petropopulismo", tentação em que caem muitos países ricos em petróleo, como a Venezuela, que promoveu um aumento expressivo dos gastos públicos financiados pela receita do petróleo. "Mas nós não precisamos repetir o modelo da Noruega e nem o da Venezuela", diz. Ele considera uma má idéia usar parte do dinheiro do pré-sal para elevar as transferência de renda, como o salário mínimo e o Bolsa Família, que aumentaram bastante nos últimos anos.

O economista defende a aplicação dos recursos para a educação de crianças de zero a cinco anos. Segundo ele, a evidência empírica indica que crianças que iniciam os estudos na pré-escola têm um desempenho educacional melhor. Araújo destaca um estudo feito por James Heckman, Nobel de Economia em 2000, feito em co-autoria com os professores brasileiros Flávio Cunha e Pedro Carneiro, mostrando que o retorno do investimento em educação é maior quanto mais cedo é feito.

Um dos coordenadores de um grupo de pesquisa multidisciplinar sobre educação infantil na Academia Brasileira de Ciências, Araújo nota que, segundo neurocientistas, o desenvolvimento do cérebro ocorre desde muito cedo. Em resumo, a primeira infância é um período crucial para o aprendizado. Os trabalhos de Heckman enfatizam também a importância da família na formação educacional. No Brasil, a questão ganha muita importância porque, como grande parte da população é pobre e tem baixa escolaridade, uma parcela significativa das crianças vem de famílias carentes.

Nesse cenário, a educação infantil, em creches e pré-escolas, tem um papel fundamental, diz Araújo. Os estudos de Heckman indicam que crianças que tiveram acesso a programas especiais na pré-escola têm melhor comportamento social, apresentam indicadores menores de gravidez na adolescência e também uma menor taxa de encarceramento.

O economista enfatiza, porém, a importância de que o investimento precisa ser feito de modo muito rigoroso. "Será necessário quebrar paradigmas, enfrentando reclamações de sindicatos e de outros grupos de interesses na educação, que querem aumentos de salários mas não gostam da implantação de critérios de cobrança de qualidade", afirma. A educação infantil, gerenciada pelos municípios, deve ter intensa fiscalização do governo federal, segundo ele.

Para ele, a União deve se encarregar do treinamento multidisciplinar dos professores, que precisam ter uma boa formação. Aumentar os salários de profissionais admitidos em momentos em que a baixa remuneração não atraía pessoas com boa qualificação, é uma idéia ruim, adverte. A fiscalização dos gastos deve considerar o desempenho dos professores, com uma mensuração adequada da qualidade do ensino oferecido. Ele cita Cuba, que tem indicadores elevados de educação, em que professores incompetentes são afastados sem grandes problemas.

Segundo Araújo, é difícil dizer neste momento que parcela dos recursos deve ser destinada à educação infantil, porque ainda não se sabe exatamente qual volume de dinheiro será obtido com o petróleo do pré-sal. Se os recursos forem muito abundantes, uma parte terá mesmo de ficar aplicada no exterior, para não provocar uma valorização exagerada do câmbio e um aumento da dívida pública, uma vez que haveria emissão de títulos públicos para "esterilizar" os reais pelos quais os dólares foram trocados. "Se a quantia for muito elevada, pode provocar um estrago macroeconômico", diz. Um aumento muito expressivo de gastos teria impacto inflacionário.

Mesmo com essas ressalvas, ele acredita que o país deve usar parte do dinheiro para a educação infantil, insistindo que a situação do Brasil é bem diferente da Noruega. Araújo propõe também que uma parcela das receitas do petróleo do pré-sal seja usada para abater parte da carga tributária, hoje na casa de 36% do PIB, muito elevada para um país de renda média. O dinheiro do pré-sal, segundo ele, pode permitir que o governo abra mão de alguma arrecadação de impostos, como parte dos encargos trabalhistas. Uma medida como essa ajudaria a aumentar o processo de formalização do emprego.

Para Araújo, é melhor investir recursos na educação infantil e reduzir a carga tributária do que ter um fundo com muitos recursos. "A tentação populista para o uso desse dinheiro seria muito grande, mesmo com um fundo constituído no exterior". Por fim, Araújo diz que o melhor é manter o atual modelo de exploração para as reservas do pré-sal, sem mudança nos contratos já definidos. No caso dos novos campos a serem licitados, bastaria aumentar a taxação, sem abandonar as regras vigentes.