Título: A necessidade de uma virada
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 10/03/2011, Política, p. 2

Conselhos de Ética das duas Casas Legislativas precisam de ajustes para apurar denúncias contra os parlamentares. No Senado, cargo de corregedor está vago desde outubro de 2010

Senadores e deputados voltam do carnaval na próxima terça-feira com o desafio de botar ordem nos órgãos responsáveis pelo controle da ética nas duas Casas. Há muito o que fazer. No Senado, o Conselho de Ética não funciona desde agosto do ano passado. Até mesmo o cargo de corregedor, que tem a função de encaminhar e filtrar as denúncias contra os parlamentares, está vago desde a morte de Romeu Tuma, em 26 de outubro do ano passado. Na Câmara, o histórico de processos que chegaram ao Conselho de Ética foi intenso nos últimos sete anos, mas as punições são bem mais raras.

Desde 2006, quando a CPI dos Sanguessugas levou 72 processos para o colegiado, o Conselho de Ética da Câmara vem diminuindo o ritmo de trabalho e tem sido esvaziado. No Senado, ocorreu o mesmo. Em 2007, o órgão responsável por levantar falhas éticas dos parlamentares minguou após a Casa absolver o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) em plenário, apesar de o conselho ter chegado à conclusão de que o parlamentar tinha culpa no processo por quebra de decoro, devido à acusação de ter tido contas pessoais pagas por lobistas.

O histórico de trabalho dos conselhos da Câmara e do Senado mostra que os parlamentares evitam cortar na própria carne quando o comportamento dos colegas é questionado. Dos 113 processos analisados pelo colegiado da Câmara de 2004 a 2010, apenas 15% (17 casos) saíram rumo ao plenário com parecer pela cassação do acusado por quebra de decoro. O destino final da maioria das representações é o arquivo. Na maior parte dos casos, os colegas ou o próprio processado lançam mão de artifícios para protelar a tramitação até o fim da legislatura. Em 2005, o ano foi movimentado na Câmara em virtude do escândalo do mensalão, quando integrantes da base foram acusados de receber pagamento mensal para votar favoravelmente ao governo.

À época, 23 processos foram analisados pelo colegiado e 12 deles seguiram para o plenário, resultando na perda do mandato de José Dirceu (PT-SP), Roberto Jefferson (PTB-RJ) e Pedro Corrêa (PP-PE). ¿Graças a Deus, não teve movimento, nos últimos anos¿, afirma o presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado José Carlos Araújo (PDT-BA). ¿O conselho está bom quando não tem que se manifestar, quando tem que se manifestar é que a coisa está ruim. Em 2010, só tivemos um processo e o deputado aproveitou o ano da eleição e entrou com duas licenças médicas para empurrar com a barriga. Aí, acabou o ano e ele não foi julgado¿, comenta Araújo, referindo-se ao ex-deputado Paulo Roberto (PTB-RS), acusado de empregar funcionários fantasmas em seu gabinete.

Mais poder O presidente do Conselho de Ética afirma que está de ¿pés e mãos amarrados¿ em relação ao processo contra a deputada federal Jaqueline Roriz (leia mais nas páginas 29 e 30), mas que o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), prometeu apoio para que regras do órgão sejam modificadas com a finalidade de dar mais poder ao colegiado para abrir processos ¿por ofício¿, sem necessidade de provocação por partido ou da Mesa, e para convocar para depor ¿ com a possibilidade de condução por força policial ¿ os acusados de quebra de decoro. ¿Nós temos que modificar isso, não pode ter essa história de acabar a legislatura ou renunciar e acabar o processo.¿

Enquanto o presidente do Conselho de Ética da Câmara reclama da falta de poder do órgão, a situação no Senado é ainda pior. O colegiado está sem presidente desde agosto de 2010, quando o ex-senador Paulo Duque (PMDB-RJ) deixou o mandato para dar lugar ao primeiro suplente da vaga herdada de Sérgio Cabral, quando o peemedebista assumiu o governo do Rio de Janeiro. No Senado, existe a tradição de delegar a suplentes a Presidência do conselho. Além de Duque, o então suplente de Marina Silva (PV-AC) em 2007, o atualmente deputado Sibá Machado (PT-AC), presidiu o colegiado durante a tempestade do caso Renan. Um mês e meio depois do início da atual legislatura, o Conselho de Ética do Senado ainda não foi inaugurado. De 2004 a 2010, o colegiado analisou oito processos contra senadores. Desses, apenas a representação contra Renan foi votada em plenário. O peemedebista, no entanto, foi absolvido por seus pares. Na lista dos processos abertos em meio à CPI dos Sanguessugas, as denúncias espirraram nos ex-senadores Serys Slhessarenko (PT-MT), Ney Suassuna (PP-PB) e no senador Magno Malta (PR-ES). Já as denúncias recentes nem sequer foram apuradas. Como não havia corregedor, o Conselho de Ética não abriu processo contra o senador Gim Argello (PTB-DF) por irregularidades nas emendas parlamentares.