Título: Fiesp vê descompasso cambial
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2008, Brasil, p. A4

Desde 2005, a demanda doméstica cresce a um ritmo superior do Produto Interno Bruto (PIB), e a diferença só tem feito aumentar. De acordo com um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), esse descompasso se deve principalmente à taxa de câmbio sobrevalorizada. O raciocínio é o de que o dólar barato favorece de tal modo as importações que impõe limitações ao crescimento da produção interna. Nos quatro trimestres encerrados em março, a demanda doméstica (formada pelo consumo das famílias, o consumo do governo e o investimento) aumentou 7,6%, enquanto o PIB avançou 5,8%.

O diferencial entre o ritmo de expansão da oferta e da demanda foi um dos principais fatores que levaram o Banco Central (BC) a iniciar, em abril, o atual o ciclo de alta de juros. Ainda que reconheça que o investimento tem amortecido a tendência de aumento no nível de utilização da capacidade instalada, o BC diz que "a maturação de projetos não tem, até o momento, sido suficiente para circunscrever de forma significativa os descompassos entre a evolução da oferta e da demanda doméstica" - como aparece na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de julho. Nesse cenário, as importações de bens e serviços têm aumentado a um ritmo bem superior ao das exportações.

Para o diretor titular do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, Paulo Francini, a origem do problema está no comportamento do real. Desde 2004, lembra ele, a taxa de câmbio passou a se valorizar com força em termos reais (descontada a inflação), o que favorece as compras externas e desincentiva as vendas. Francini diz que o descompasso é cambial: "Não é a diferença entre demanda doméstica e oferta agregada que causa redução do saldo comercial, e sim a taxa de câmbio valorizada que estimula a importação e limita as possibilidades de crescimento da oferta doméstica".

Segundo Francini, a demanda interna passou a crescer mais do que o PIB a partir de 2005 por causa do processo de forte valorização do câmbio, iniciado no segundo trimestre de 2004. "A questão central não é se a capacidade produtiva interna tem ou não condições de atender à demanda. Na verdade, a valorização do câmbio retira artificialmente a competitividade do setor produtivo nacional."

Francini cita a indústria química como um exemplo de segmento que enfrenta dificuldade para o crescimento da produção doméstica "em tempos de taxa de câmbio valorizada". No primeiro semestre, o consumo aparente do setor (produção mais importações, menos exportação) aumentou 3,64% em relação ao mesmo período do ano passado. A alta se deve à combinação de uma alta de 12,25% das importações e de uma queda de 29,5% das exportações e de 4,76% da produção. "Mesmo um segmento como o químico, que tem empresas de grande porte, com acesso ao crédito e tecnologia de ponta, vê a produção cair devido ao nível do câmbio", afirma ele, lembrando que segmentos como o de têxteis também sofrem com o dólar. "Em outras palavras, são setores que não estão conseguindo acompanhar o crescimento da demanda interna devido à valorização da moeda brasileira, e não devido à incapacidade de crescimento da oferta", avalia o estudo.

Para tentar calcular a influência do dólar sobre o descompasso entre oferta e demanda, os economistas do Depecon fizeram um exercício econométrico, comparando a diferença entre as taxas de crescimento do PIB e a da absorção doméstica e a taxa de câmbio real entre o primeiro trimestre de 1999 e igual período de 2008. Segundo Francini, os resultados mostraram que, ao longo do tempo, 50% da variação da diferença entre a expansão do PIB e a da demanda interna "é explicada por choques advindos da taxa de câmbio real". Os outros 50% se devem "a outras fontes de demanda, como os gastos do governo, o rendimento real e o crédito", avalia Francini. "Isso significa que existe um equilíbrio potencial na economia, não alcançado devido ao câmbio sobrevalorizado".

Francini acredita que o dólar, apesar da alta recente, poderá voltar a cair nas próximas semanas. Para ele, o BC deve aumentar mais uma vez os juros básicos na reunião do Copom de amanhã, o que elevará a diferença entre as taxas internas e externas. "Isso tende a valorizar ainda mais o real e, assim, tende a dirigir a demanda ainda mais para o exterior", diz Francini, para quem a autoridade monetária deveria manter os juros inalterados. Segundo ele, a alta mais forte da inflação em meados deste ano se deveu principalmente à disparada das cotações das commodities, que estão em queda nas últimas semanas. Não haveria uma grande pressão de demanda.