Título: Dar tempo ao tempo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2008, Opinião, p. A10

A dimensão da descoberta de petróleo no pré-sal, a sete mil metros de profundidade e a mais de 200 quilômetros do litoral, entusiasma e assusta. O sucesso no seu aproveitamento pode mudar a escala da indústria do petróleo do Brasil, com variados reflexos, ainda por avaliar, sobre a própria estrutura econômica e social do país.

O conhecimento geológico do jazimento, que se sabe ser muito grande, é insuficiente para que sobre ele se baseiem decisões empresariais além das que tenham por objetivo exatamente aprofundar esse conhecimento. E já será grande o investimento nessa fase.

O desenvolvimento desse campo envolve desafios e riscos sem precedentes, de ordem técnica e financeira, incluindo não só as fases de exploração e operação como também a de escoamento da produção, dada a distância do litoral. Tudo em grande escala. Diante do vulto do empreendimento, o esforço que realizamos na construção de Itaipu, à época a maior hidrelétrica do mundo, torna-se até modesto.

Um processo decisório prudente requer que se dê tempo ao tempo para que se absorva o impacto da própria descoberta; se estabeleçam os contornos do quadro institucional propício à reunião de esforços requerida por tal empreendimento; se formalizem condições objetivas para sua implementação; se definam diretrizes operacionais, especialmente quanto à utilização das reservas.

Requer-se tempo também, com foco no bem comum, para análise da melhor destinação dos recursos financeiros que poderão fluir para a União no horizonte de longo prazo, em decorrência da produção dos campos do pré-sal.

Passarão o governo do presidente Lula e o que lhe suceder, antes que se possa iniciar produção física regular de petróleo, cujos efeitos econômicos só se farão sentir nos decênios subseqüentes, na primeira metade do Século XXI.

Então, por que ter pressa? E por que tanta ênfase na definição do destino dos resultados financeiros que couberem à União? Cogita-se até de artifício financeiro para antecipação de receita proveniente da produção futura! Fontes oficiais se têm manifestado precipitadamente sobre vários aspectos da questão, contribuindo para que se estabeleça clima de perplexidade tanto aqui como no exterior.

Em contrapartida, falta concentração no objetivo central de assegurar condições de sucesso na exploração desse petróleo, do gás a ele associado ou de eventual campo de gás, este último ainda desconhecido no Brasil.

-------------------------------------------------------------------------------- Há que evitar que se consolide tentação de visar resultados político eleitorais de caráter imediatista --------------------------------------------------------------------------------

São muitas as soluções possíveis relativas a cada aspecto parcial - técnico, financeiro, institucional - do empreendimento. Congregadas de várias formas, compõem elas um elenco de estratégias possíveis.

É importante dar tempo ao tempo para que nos debates, com a mais completa informação possível, se estabeleça o contraditório entre propostas de estratégias que sejam consistentes e se abandonem propostas estapafúrdias. Deles decorrerão preciosas indicações para a escolha, pelo governo, do caminho ótimo, do ponto de vista do interesse nacional, visando o efeito multiplicador do projeto sobre o desenvolvimento econômico e social no longo prazo.

Na busca de um projeto enxuto, há que identificar e distinguir o que é essencial fazer, evitando a intromissão de questões acessórias e correlatas que possam tumultuar o quadro. Em particular, há que evitar mudanças nas normas regulamentares vigentes para as concessões em vigor, que devem seguir o seu curso. Que sirva de exemplo a ser evitado o das recentes dificuldades do setor de energia elétrica oriundas de reformas imprudentes que desmontaram estruturas, de difícil reconstrução.

Na comparação entre estratégias possíveis, o mais difícil será comparar custos e benefícios, econômicos e sociais, presentes e futuros, em um projeto de tal amplitude e de tão longa duração, com tantas incertezas quanto à evolução do mercado mundial do petróleo, levando em conta, ainda, as indefinições do lado geológico e tecnológico que resultam da originalidade do empreendimento.

O problema é novo e complicado. Pode ser conduzido com segurança se for dado tempo para que se aprofunde o conhecimento da realidade física a enfrentar e, mediante debates, se sedimentem na opinião pública e no âmbito do próprio governo as propostas que vão sendo apresentadas, felizmente com realismo e espírito público na sua maioria. Mas, estão presentes, também, propostas irrealistas, fantasiosas e anacrônicas.

Na construção do quadro institucional, há que se buscar, com grandeza, a convergência de esforços entre os vários participantes que se fazem necessários, compreendendo empresas especializadas, de capital privado nacional ou estrangeiro, e a Petrobras, bem como de entidades de financiamento, oficiais e privadas, levando em conta que o Brasil já tem hoje posição respeitada no mercado financeiro internacional. Cada grupo de interessados tem seus requisitos, por vezes contraditórios, que é preciso não desconhecer. Tendo em vista que não se trata de regular um empreendimento, mas de uma seqüência de empreendimentos a serem desenvolvidos no longo prazo, é indispensável que o marco institucional seja pragmático e potencialmente duradouro para que sobreviva a várias mudanças de governo e de composição parlamentar. Há que evitar, sobretudo, que se consolide tentação de visar, com o novo empreendimento, resultados político eleitorais de caráter imediatista.

Ao final, no regime presidencialista, caberá inevitavelmente ao presidente Lula definir o caminho, assumindo a responsabilidade por uma das mais graves decisões políticas que terão cabido a um estadista do nosso país.

Antonio Dias Leite é professor emérito da UFRJ. Foi ministro de Minas e Energia. Publicou em 2007 segunda edição do livro "A Energia do Brasil".