Título: Elas jogam na defesa
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/09/2008, Investimentos, p. D1
Patrícia Ramos dos Santos, de 20 anos, pode ser considerada uma fiel investidora da caderneta de poupança. Estudante do primeiro ano do curso de administração, ela resolveu abrir três cadernetas no mesmo banco para três diferentes finalidades: poupar a longo prazo para comprar a casa própria; guardar o equivalente a algumas mensalidades da faculdade para usar caso precise; e para as necessidades mais urgentes do dia-a-dia, como cobrir o cheque especial. E na bolsa, será que ela já pensou em investir? "Ah, isso não é para mim, não", diz, sorrindo. "É muito difícil de entender, acho que é possível ganhar muito dinheiro lá, mas tem de usar muita matemática para saber no que aplicar."
Assim como ela, muitas mulheres percebem a bolsa como o investimento capaz de oferecer as melhores rentabilidades. Mas, conservadoras, preferem ainda investir na tradicional caderneta de poupança. É o que mostra um levantamento realizado pelo instituto de pesquisa Quorum Brasil, que mapeou quais são os investimentos preferidos das mulheres paulistanas.
No total, foram ouvidas 300 mulheres na capital paulista com idade entre 20 e 35 anos e renda entre R$ 800 e R$ 5 mil. Segundo a pesquisa, dos rendimentos, apenas 5% em média são destinados a investimentos. "Interessante notar que as mulheres incluem os investimentos na lista do que fazer com o dinheiro", afirma William Horstmann, diretor da Quorum Brasil.
E quem acha que as mulheres usam a maior parte do dinheiro na compra de roupas se engana. Os gastos com educação aparecem em primeiro lugar, com 27,9%, seguidos pelas despesas com saúde, com 24,2%. Vestuário é o último item, com 1,5%. "Os homens acham que elas gastam muito com roupa, mas isso não é verdade", diz Horstmann.
Quando se observa os resultados por faixa de renda, chama a atenção o fato de que 93% das mulheres que ganham entre R$ 1.5001 e R$ 3.000 disseram fazer algum tipo de investimento. As casadas, bem como as mulheres entre 26 e 30 anos e aquelas com renda intermediária, são as que mais se preocupam em investir.
Uma das marcas dos investimentos femininos é o conservadorismo. Entre as aplicações preferidas, a boa e velha caderneta de poupança aparece com folga entre as preferências, com 74% das respostas. O percentual é muito superior à segunda colocação, os imóveis, com fatia de 10%. Fundos de investimento e previdência privada aparecem com 9% e 7%, respectivamente. E apenas 3% já aplicam no mercado acionário.
Na bolsa, o público feminino está em franca desvantagem. Segundo dados da BM&FBovespa, a participação das mulheres no total de investidores pessoa física representava 23,66% em agosto deste ano. Mas essa fatia vem crescendo, já que em 2002 elas representavam 17,63%.
Quando perguntadas, no entanto, sobre quais investimentos eram mais rentáveis, as ações ficaram com 30%. "Apesar de boa parte das mulheres reconhecer as ações como o investimento mais rentável e de gostar de escolher aplicações por este critério, a percepção de baixo risco e a isenção de impostos fazem com que a poupança seja o investimento preferido", avalia a pesquisa.
As mulheres, em geral, são realmente mais conservadoras que os homens, pois se preocupam mais com o orçamento doméstico ou mesmo com o futuro dos filhos, avalia Fabio Colombo, administrador de investimentos. "Normalmente, elas preferem aplicações mais ligadas a juros e, se vão para a bolsa, é com muita cautela, para primeiro ver como funciona o mercado", diz.
A fim de popularizar o mercado acionário e agora também o de derivativos, a BM&FBovespa conta com o programa Mulheres em Ação. Lançado em junho de 2003, o objetivo é aproximar o público feminino do mercado, fornecendo educação financeira e esclarecimentos sobre o tema. "Elas são mais conservadoras, mas já é possível ver algumas bastante arrojadas", conta Angela Barros, coordenadora do programa, que mostra não apenas como investir em ações, mas faz um trabalho de educação financeira. "No início, falávamos apenas de investimentos, mas percebemos a necessidade de também orientar como elas podem poupar para daí investir", diz.
Na hora de investir, o primeiro quesito levado em conta pelas mulheres é a rentabilidade, com 36,8%, seguido pelo nível de risco da aplicação, com 27,6%. Interessante notar que os impostos aparecem em terceiro lugar, com 19,3%. A confiança na instituição financeira apareceu em 10,9% das respostas e o horizonte dos investimentos, em 5,3%. "Conforme sobe a faixa etária, é perceptível o aumento de preocupação com o longo prazo de uma forma geral e, especificamente, com o futuro da família", diz o estudo.
Entre as que investem, o objetivo das aplicações muda conforme a idade. As mulheres entre 20 e 25 anos buscam aplicações pensando no próprio futuro, com 68%. Já entre aquelas entre 26 e 30 anos, 66% investem com o objetivo de garantir o bem-estar da família. E esse percentual sobe ainda mais para quem tem entre 31 e 35 anos: 84% visam garantir o futuro familiar.
Chama a atenção o fato de os familiares serem a fonte principal das mulheres na busca por informações sobre investimentos. O marido ou namorado aparece em primeiro lugar, com 46%, seguido pelos pais, com 32%. Os bancos, na figura dos gerentes, foram apontados somente por 7% das mulheres ouvidas.
Os pais são os maiores responsáveis para que elas guardem dinheiro. Segundos os números, 26% delas disseram que os pais são os que mais as incentivam a poupar. Mas os maridos e namorados também têm um papel importante, com 23% das respostas. "Como os familiares são os principais agentes que as incentivam a investir, as mulheres levam muito em consideração as dicas dessas pessoas", diz Horstmann.
"Sempre ouço os meus pais na hora de investir ou algumas pessoas do meu trabalho em quem eu confio", diz a estudante de administração Patrícia. Tentando manter a disciplina de investidora, ela diz que nem olha para a primeira caderneta de poupança que mantém. "Nessa conta, não posso mexer de jeito nenhum, pois é um objetivo de longo prazo", diz Patrícia.