Título: Protesto na Bolívia quase corta gás para o Brasil
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 10/09/2008, Internacional, p. A11

Um grupo de manifestantes contrários ao governo do presidente da Bolívia, Evo Morales, invadiu ontem uma instalação do gasoduto que leva gás ao Brasil e à Argentina e conseguiu desregular uma das válvulas que controlam o fluxo do combustível.

O fornecimento para o Brasil não foi comprometido, mas deixou autoridades brasileiras "preocupadíssimas", segundo uma fonte ouvida ontem pelo Valor, que pediu para não ser identificada. Segundo essa fonte, a Petrobras teme que seja questão de tempo até que algum trecho do duto seja danificado pelos manifestantes.

Há cerca de três meses, num protesto semelhante, um duto administrado pela Repsol foi atacado. É a primeira vez, no entanto, que a conexão para o Brasil se torna alvo dos opositores.

A válvula desregulada fica na cidade de Villamontes, no departamento de Tarija, cujo governo é um dos que faz oposição a Morales e onde os chamados grupos "cívicos" voltaram, nos últimos dias, a realizar protestos e invadir prédios de órgãos do governo central.

Segundo relatos, cerca de 200 pessoas entraram na instalação que abriga a válvula. Um grupo de militares bolivianos que estaria na região não deteve o protesto. Os manifestantes saíram do local por volta das 14h. A válvula controla o gás que vai até Jacuíba. De lá, ele segue até Santa Cruz e, em seguida, ao Brasil. Com essa válvula fechada o Brasil poderia deixar de receber 10 milhões de metros cúbicos de gás por dia. O Brasil compra 30 milhões de metros cúbicos da Bolívia. O problema prejudicaria ainda o fornecimento para a Argentina.

A manifestação teria sido organizada por dois grupos: o Comitê Cívico de Villamontes e pelo Comitê Cívico Central.

Estes grupos estão entre os que se opõem a Morales. Grupos cívicos também atuam no departamento de Santa Cruz, o centro da oposição ao governo. A oposição boliviana - incluindo os governadores de Tarija, de Santa Cruz e dos outros departamentos da região leste do país- quer que o governo central revogue uma medida que reduziu a parcela de impostos sobre o gás que fica com os departamentos. Morales ampliou a mordida do governo federal para custear um programa de complementação de renda para bolivianos de baixa renda com mais de 60 anos.

Na semana passada, quando os protestos cresceram, governadores de oposição advertiram para o risco de o fornecimento de gás para o Brasil e Argentina ser interrompido pelos protestos. A estratégia da oposição parece ser elevar o protestos e criar tensão no país para forçar Morales a negociar.

O Valor apurou que a Petrobras na Bolívia já adotou algumas medidas para evitar danos ao fornecimento de gás. Uma delas é ampliação do número de funcionários nas instalações da empresa no país para garantir a presença constante de pessoal nos locais. A empresa, segundo uma fonte, também já teria alugado um helicóptero para enviar víveres a funcionários que estejam em instalações mais isoladas, para o caso de precisarem permanecer mais tempo nesses locais.

Ontem, a diretora de Gás e Energia da Petrobras, Maria das Graças Foster, disse por meio de um comunicado que o abastecimento de gás natural pela Bolívia estava absolutamente completo e normal. "A Bolívia tem sido um excepcional supridor de gás para o Brasil, apesar de todas as suas inquietações."

Além de tratar com Morales, o governo brasileiro está mantendo contatos com líderes da oposição, segundo o Valor apurou.