Título: PT e PMDB ensaiam 2010 em Natal
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 10/09/2008, Especial, p. A14

Para convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a ir a Natal pedir votos para a candidata à prefeita Fátima Bezerra (PT), o presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB), um dos artífices da aliança, recorre à sucessão presidencial em 2010. "Queremos trazer o fato nacional. Ainda que a verticalização não exista mais, a aliança em Natal é um embrião. O que está sendo testado aqui é a liderança nacional do Lula e sua capacidade de forjar a aliança que pode ser a de 2010", diz o senador.

Na capital potiguar, administrada por Carlos Eduardo Alves (PSB), a cabeça do chapa é do PT e a vice é do PMDB, representado por Luiz Eduardo Carneiro, ex-secretário estadual de Educação, quando Garibaldi foi o governador. Além de Natal, apenas Vitória, Porto Velho e Teresina têm uma chapa na mesma conformação entre as capitais.

Segundo Garibaldi, todos os partidos aliados, PMDB inclusive, irão gravitar em torno de Lula em 2010. "O PMDB não tem liderança nacional para disputar o pódio", avalia o senador. Garibaldi diz admitir até mesmo uma chapa em que o PMDB cedesse a vice para o PSB do deputado federal Ciro Gomes e do governador de Pernambuco Eduardo Campos e se exclui como opção em uma chapa presidencial. "Na lista das possibilidades, estou na rabeira", diz.

Na capital do Rio Grande do Norte, com 500 mil eleitores, uma pesquisa feita na semana passada pelo "Diário de Natal" mostrou o governo Lula com 60,4% de aprovação, ante 53,5% de bom e ótimo para o governo estadual de Wilma de Faria (PSB) e 48,4% para o governo municipal de Alves. A petista Fátima Bezerra conta com o apoio dos três, mas não decola. A última pesquisa Ibope a mostrou com 25%, enquanto a rival Micarla de Souza (PV) alcançou 50%. O Estado mantém a tradição de protagonismo feminino na política: mulheres polarizam a disputa em Natal e Mossoró e para a sucessão da governadora o favoritismo é de outra mulher, a senadora Rosalba Ciarlini.

Micarla de Souza (PV): empresária de comunicações, candidata herdou carisma do pai, um ex-senador

Lula precisa ir no Rio Grande do Norte para entregar dois empreendimentos distantes de Natal: a usina termoelétrica de Assu e a mini-refinaria de petróleo de Guamaré, mas a governadora, o PT e o PMDB pressionam para o evento ser em Natal. A viagem inicialmente fora agendada para 19 de agosto. Depois remarcada cinco vezes para se fixar em 19 de setembro. O presidente hesita em ir ao Estado por sofrer pressões de aliados que apóiam Micarla, como o deputado Sarney Filho (PV-MA) e o ministro da coordenação política, José Múcio Monteiro (PTB). Nos atos de campanha de Fátima, o tom é sebastianista: "Ele vem aí!", grita periodicamente um locutor, para se referir à possível viagem do presidente. Mas Lula gravou para o programa de televisão da candidata, que será veiculado hoje.

Loira, jovem, empresária da família controladora da TV Ponta Negra, repetidora do SBT, Micarla de Souza se esforça em seus atos de campanha em lembrar que seu partido é da base aliada do governo federal. "Querem passar a impressão que só Fátima abrirá portas em Brasília", queixa-se a deputada, que tem por trás de si o DEM do senador José Agripino Maia, líder da oposição no Senado. O apoio de Agripino não é escondido pela candidata, que o minimiza. "Minha aliança é para o tempo presente, não tem efeitos em 2010. E Agripino aqui no Estado não se coloca da mesma maneira do que em Brasília", diz a candidata.

O senador confirma. "Minha posição é nacional. Não chego em Natal batendo em Lula. O Lula não é meu opositor local. Ele se transporta para o plano local, mas eu não quero me confrontar com ele neste cenário", diz Agripino, demarcando sua importância na campanha de Micarla. "O DEM deu musculatura para ela e viabilizou sua candidatura".

Micarla é um fenômeno midiático em que o cálculo político planejou cada passo. Apresentadora de um jornal de notícias locais, a candidata é recebida como uma celebridade televisiva nos bairros pobres de Natal e não descuida da vaidade: anda em uma picape preta com duas frasqueiras. Em uma há um estojo de maquiagem e em outro, perfumes. Maquiou-se três vezes e perfumou-se uma vez, ao longo de seis horas de atividade de campanha.

Micarla herdou a televisão e a carreira política do pai, o ex-senador Carlos Alberto de Souza, falecido em 1998. Na TV Ponta Negra, destacava repórteres para levantar os problemas de bairro por bairro na cidade. Em seguida, com o mapeamento feito, exigia providências do poder público. Assim, elegeu-se vice-prefeita em 2004 e deputada estadual em 2006. Seus comunicadores também estão na política. São do PV e vinculados à Ponta Negra o puxador de votos da chapa de Micarla, Paulo Wagner, o candidato a prefeito na cidade vizinha de Parnamirim, Gilson Moura e o vereador Aquino Neto. Também da Ponta Negra, o deputado estadual Luiz Almir está no PSDB e apóia Micarla.

Vinda da Paraíba, feições acabocladas, Fátima Bezerra disputa pela quarta vez. Seu "slogan" de campanha é "agora sim". Fala na televisão com a voz anasalada e em tom monocórdico. Aos 53 anos, solteira e sem filhos, tem todo o programa na televisão voltado para suavizar a sua imagem desgastada e apresentar-se como uma típica deputada que carreia recursos orçamentários de Brasília para o município.

Nas duas primeiras vezes que disputou, Fátima era oposição nas três esferas de governo. Em 2004, concorreu com apoio de Lula e ficou em quarto lugar, atrás do Sargento Mossoró (PTC), uma figura folclórica. "Fomos ingênuos, achamos que Lula por si só transferia votos, mas ele acabou "turbinando" para baixo. Agora ele está "bombando" e tenho atuação orçamentária. Deputado é para fazer a ponte entre a União e o Estado. Sou propositiva", diz Fátima.

Enquanto Lula não vem, o principal apoio de Fátima é a governadora Wilma de Faria. Na semana passada, a governadora reuniu toda sua equipe e exigiu empenho na eleição da petista. "Existem limites para a transferência de votos, mas eu já tive minha capacidade testada. Faz cinco eleições seguidas que não perco em Natal", afirmou Wilma, muito popular na capital, mas politicamente fragilizada desde a Operação Higia, da Polícia Federal, em junho deste ano. Na Operação, seu filho Lauro Maia chegou a ser preso por alguns dias, em investigação sobre fraudes em licitações para empresas fornecedoras de mão de obra. A governadora ganhou a eleição como candidata a prefeita em 1988, 1996 e 2000 e elegeu os aliados Aldo Tinoco em 1992 e Carlos Eduardo Alves em 2004.

Pretendente ao governo estadual, Carlos Eduardo comprou briga com a indústria imobiliária e a Câmara dos Vereadores da cidade, na votação do Plano Diretor no ano passado. O prefeito reduziu o fator multiplicador para a construção civil de 1,8 para 1,2 vezes o tamanho do terreno, uma redução de mais de 50% no adensamento urbano. "A cidade não tem infra-estrutura sanitária para suportar uma expansão maior", justificou Alves. A inovação freou o ritmo da construção em Natal. Quando a proposta foi para o Legislativo, o texto foi modificado. Alves derrubou as modificações judicialmente e o Ministério Público acusou formalmente treze vereadores de corrupção passiva, suspeitos de terem recebido propina do lobby imobiliário.

"A prefeitura há muito tempo vinha nos atacando publicamente. Carlos Eduardo foi muito ajudado pelo setor na eleição de 2004 e se converteu em uma decepção. Somos vistos como verdadeiros cupins", comenta o presidente do Sindicato das Empresas Imobiliárias do Rio Grande do Norte (Secovi), Renato Gomes. O dirigente afirma que o setor está retraído nas eleições deste ano, mas o candidato a vice de Micarla, Paulinho Freire (PP), é do ramo. Dos 13 vereadores denunciados pelo MP potiguar, doze concorrem a um novo mandato. Cinco pertencem à coligação de Micarla e quatro a apóiam informalmente. Três estão com Fátima.