Título: Foco da Hyundai no Brasil vai de carros ao pré-sal
Autor: Camarotto, Murillo
Fonte: Valor Econômico, 10/09/2008, Empresas, p. B7

A aguardada instalação da fábrica de veículos da Hyundai no Brasil deverá ser apenas a ponta do iceberg para um grande investimento do grupo sul-coreano no país. Maior conglomerado empresarial da Coréia do Sul, com atividades que vão da fabricação de celulares à construção de plataformas de petróleo, o Hyundai Group decidiu abrir um escritório no país, onde promete prospectar negócios e investir pesado no aquecido segmento de infra-estrutura.

Ainda sem endereço fixo no Brasil, a Hyundai Corporation, tida como a "cúpula estratégica do grupo", procura por um escritório no bairro do Morumbi, na capital paulista. Em um hotel da região, o diretor-geral da Hyundai Corporation para a América Latina, Gi-Seob Kim, deu entrevista exclusiva ao Valor, na qual se mostrou positivamente impressionado com o Brasil, seu povo e seu momento econômico.

O executivo explicou que a já antes cogitada vinda da Hyundai Corporation para cá foi definida durante uma missão brasileira na Coréia do Sul, liderada em abril deste ano pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na ocasião, a ministra tratou, entre outros temas, da implantação do Trem de Alta Velocidade (TAV) no Brasil, tecnologia detida pela Hyundai. No entanto, também teria apresentado aos asiáticos o mapa da expansão da infra-estrutura brasileira, o que acabou sendo decisivo para a abertura do escritório em São Paulo.

Até então, a expectativa corrente no Brasil em relação ao grupo coreano recaía sobre a instalação de uma fábrica de automóveis, que chegou a ser acertada no final da década de 1990, porém acabou não virando realidade. Na época, a já extinta Asia Motors, outra montadora sul-coreana, usufruiu dos incentivos fiscais de importação garantidos pelo programa do regime automotivo do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em troca, se comprometia a instalar uma fábrica no país. Mas não cumpriu o acordo. A Asia Motors pertencia ao grupo Kia, que acabou adquirido pela Hyundai.

O imbróglio gerou uma dívida de cerca de R$ 1,6 bilhão, entre impostos e multas, com o governo federal, assunto que os coreanos terão de resolver antes de trazerem a fábrica de carros.

Mesmo assim, o investimento deverá acontecer. Apesar de não falar oficialmente sobre o tema, Kim afirmou que há grandes chances de a unidade ser instalada na região de Piracicaba, interior de São Paulo, que "está sendo observada com atenção".

Sem dar maiores detalhes, ele informou que deverão ser produzidos, na nova unidade, veículos diferentes dos que são montados hoje na fábrica de Goiás, controlada pelo empresário brasileiro Carlos Alberto Oliveira Andrade, conhecido como Caoa, que importou a tecnologia da Hyundai, mas que atua de forma independente da matriz coreana. Naquela fábrica, é produzido o caminhão leve HR e há a promessa da produção do utilitário esportivo Tucson.

Kim confirmou ainda que a Hyundai trouxe ao Brasil uma missão de executivos coreanos, que fizeram "uma pesquisa de mercado" para a viabilização da fábrica de automóveis. Entre os membros da missão estavam fabricantes de peças como freios ABS, airbags e câmbios automáticos, que também devem se instalar por aqui. "É importante produzir localmente coisas que o Brasil ainda não tem domínio", disse Kim, referindo-se ao fato de o Brasil não ter produção doméstica desses itens.

Ao que parece, a falta de um endereço fixo ainda não teve grande importância para o executivo, se considerada a vasta agenda de reuniões cumprida desde desembarcou por aqui, há três semanas. No período, disse já ter se reunido com empresas do porte de Petrobras, Camargo Corrêa e OGX, além da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), entre outras.

O objetivo maior do grupo coreano, segundo Kim, é expandir as transações comerciais e econômicas entre Brasil e Coréia do Sul, por meio da venda de soluções de infra-estrutura, com transferência de tecnologia, e do investimento local em empreendimentos com essa finalidade. Ele citou como alvos principais os setores de petróleo e gás, energia e transportes, porém confessou que acompanha vários outros. No caso da Petrobras, por exemplo, afirmou que já deu início a conversas que visam o fornecimento de navios e plataformas de petróleo à estatal, especialmente no âmbito das reservas do pré-sal.

Outra grande ambição da Hyundai é o setor energético. A empresa tem grande interesse em construir usinas térmicas e até mesmo participar da expansão do parque nuclear brasileiro, anunciada recentemente pelo governo federal. Ainda integram o rol de oportunidades observado pelos coreanos a instalação do TAV, o fornecimento de trens urbanos e de maquinário para o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).

Indagado sobre o montante que estaria disposto a investir, Kim afirmou que "não há limites" definidos. "Vai depender da demanda. Estamos preparados para o que for mais urgente para o Brasil", disse o executivo, que também garantiu que o grupo conta com recursos de fundos de investimento externos, do governo sul-coreano e até mesmo do BNDES. (Colaborou Marli Olmos)