Título: Descompasso entre produção e consumo doméstico se acentua
Autor: Bouças, Cibelle
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2008, Brasil, p. A4

O descompasso entre a expansão da indústria e a do consumo das famílias voltou a se acentuar no segundo trimestre, apesar dos fortes investimentos em formação bruta de capital fixo, que crescem há 17 trimestres, contribuindo para elevar a capacidade produtiva das indústrias. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 12 meses até junho, o consumo das famílias cresceu 7% dentro do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a produção industrial teve expansão de 5,5%. Nos quatro trimestres até março, a diferença era menor: enquanto o consumo das famílias crescia 6,7%, a indústria crescia 5,7%.

Cálculo elaborado pela Rosenberg & Associados revela que o consumo consumo doméstico teve participação de 8,41 pontos percentuais o aumento de 6% do PIB acumulado nos quatro trimestres até junho, 0,7 ponto acima do verificado nos quatro trimestres até março (ver gráfico). O setor externo apresentou taxa negativa de 2,46 pontos percentuais até junho, ante 1,9 ponto até março. Todos os itens da demanda doméstica apresentaram aumento de participação, sendo que o peso do consumo das famílias sobre o crescimento foi de 4,2 pontos percentuais. "O consumo das famílias ainda está muito acelerado, mas há expectativa de que no terceiro trimestre ocorra uma leve redução", afirma a economista da Rosenberg Thaís Marzola Zara. A consultoria não concluiu a revisão das projeções.

Mesmo com a perspectiva de desaceleração da demanda, será difícil reduzir essas diferenças no curto prazo, dadas as perspectivas de consumo das famílias ainda bastante aquecido e as estimativas de desaceleração do crescimento industrial nos próximos trimestres. "A redução no ritmo de expansão do consumo das famílias será pequeno e lento. Acredito que ainda levará tempo para que o descompasso entre produção industrial e demanda volte a se reduzir", afirma o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale.

Ele observa que os fatores que sustentaram o incremento do consumo privado ao longo dos últimos 12 meses continuam em cena, que são o aumento do nível de emprego (sobretudo o formal, que facilita o acesso ao crédito) e a elevação da massa real de rendimentos. Vale estima para o segundo semestre um crescimento médio no consumo das famílias de 6%, com redução mais significativa da taxa no último trimestre do ano, em função principalmente da base de comparação - no quarto trimestre de 2007, o consumo cresceu 8,6%.

As indústrias, observa o economista da RC Consultores Fábio Silveira, também tendem a desacelerar o seu ritmo de crescimento, talvez em ritmo mais veloz que o consumo das famílias, podendo ficar abaixo de 4,8% já na próxima leitura do PIB. O consumo das famílias, prevê, deve crescer até 6,7% nos 12 meses até setembro, ficando muito próximo do resultado obtido nos 12 meses até junho. Se tais desempenhos forem confirmados, a diferença entre a expansão da indústria e do consumo das famílias se elevaria de atuais 1,5 ponto para até 1,9 ponto percentual.

Para Silveira, as exportações tendem a crescer menos por conta do esfriamento da economia global. A desaceleração de economias da América do Norte e Europa já provocaram uma redução nas taxas de expansão das exportações nos últimos trimestres. Com isso, a sua participação sobre a demanda doméstica, que foi de 0,6% em 12 meses até março, baixou para 0,4% em igual intervalo até junho, segundo cálculo da Rosenberg.

O crescimento menor da exportação e a expectativa de um crescimento menos robusto da demanda interna nos próximos meses levarão as indústrias a elevarem a produção, mas a taxas menores do que as observadas até junho. "Outro ponto que deve ser observado é que os investimentos crescentes não geram uma modernização de todos os setores da indústria. Parte deles vem perdendo participação no mercado interno para as importações e talvez não consigam se recuperar", afirma. Ele cita o caso das indústrias de eletroeletrônicos e de eletrodomésticos, que têm perdido participação no mercado doméstico para os importados. Para o setor de eletrodomésticos, por exemplo, ele prevê queda na produção em 2008 de 4,5%.

Em favor da indústria, diz Silveira, está a valorização do dólar frente a outras moedas, inclusive o real - com as bolsas em crise e os preços das commodities em queda, o dólar voltou a ser uma opção de investimento, o que fez a sua cotação subir nos últimos dias. O dólar valorizado encarece as importações, tornando-as menos atrativas.

O cálculo da Rosenberg mostra que as importações tiveram contribuição negativa para o PIB de 2,5 pontos percentuais no ano encerrado em junho, acima do resultado obtido no período de 12 meses até março, de 2,8 ponto percentual. A equipe econômica do Bradesco considera que a alta do dólar, pode ainda gerar efeitos sobre a expansão da formação bruta de capital fixo (FBFC). Em 12 meses até junho, o item apresentou alta de 15,5%, ante 14,9% nos 12 meses até março. Com isso, a participação do investimento na demanda doméstica ficou em 2,8 pontos percentuais, ante 2,7 pontos até março. Conforme a equipe do banco, uma parte expressiva das importações referem-se à aquisição de bens de capital pelas indústrias. Sérgio Vale, da MB Associados, alerta para o desempenho de mais um item da demanda doméstica. O consumo do governo, que cresceu 3,6% nos 12 meses até junho, exercendo um peso de 0,8 ponto percentual sobre os 8,4% de expansão da demanda interna. Nos 12 meses até março, a participação era de 0,7 ponto percentual. "Os gastos do governo tendem a crescer mais, com reajustes nos programas sociais, aceleração dos investimentos do governo em infra-estrutura. E isso preocupa", afirma.