Título: Risco não é de golpe, mas de desordem
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2008, Internacional, p. A11
Apesar de o presidente boliviano, Evo Morales, ter denunciado os protestos violentos como "o início de um golpe de Estado", nem autoridades brasileiras nem analistas na Bolívia corroboram esta tese. Há, sim, uma falência político-institucional do país. Sem um Congresso e um Judiciário funcionantes, parte da oposição viu as ruas como melhor forma de pressionar o governo Morales a negociar.
A Bolívia é um país dividido. Há uma maioria, concentrada no altiplano e fortemente indígena, que apóia o projeto de reformas de Morales. E há uma minoria, em torno de 35% da população, que o rejeita. Essa oposição está concentrada nos departamentos ao leste país, Tarija, Santa Cruz, Beni e Pando, que formam a chamada "meia-lua". É a região mais rica da Bolívia, onde está a produção de gás e soja, e que concentra a minoria branca.
Os protestos miram a reforma fiscal e a nova Constituição. Morales desviou para o governo central os royalties da produção de gás, para financiar seus programas sociais. Os departamentos de oposição querem esse dinheiro de volta. A nova Constituição, que deve ir a referendo popular em dezembro ou janeiro, fortalece o Executivo e desidrata os governos regionais, entre outras mudanças. A oposição quer autonomia regional.
Não há canais de diálogo. O Congresso está dividido e de fato não legisla. A Corte Constitucional (suprema corte) está sem quatro de seus cinco juízes. As decisões da juíza que sobrou vêm sendo ignoradas pelo governo. Essa paralisia político-institucional agravou a polarização do país.
Mas não há os pressupostos para um golpe de Estado.
A oposição não pleiteia a saída de Morales, mesmo porque não tem uma alternativa viável. Nenhum governador oposicionista conseguiria governar em La Paz.
Os líderes de oposição têm se distanciado dos recentes casos de violência e parecem não controlar os grupos que radicalizaram o protesto. Esses grupos seriam minoritários dentro da oposição. As associações empresariais oposicionistas temem que os protestos violentos sejam contraproducentes.
A oposição não tem apoio militar para um golpe de Estado. Toda a cúpula militar foi nomeada por Morales. Os militares, que vêm mantendo silêncio na crise atual, se opõem à ameaça de divisão do país feita por setores da oposição.
A oposição sabe ainda que não teria apoio externo para derrubar Morales, que conta com a simpatia de vizinhos como Brasil, Argentina e Paraguai, além do apoio explícito do venezuelano Hugo Chávez.
Morales, eleito e confirmado no cargo, tem o direito de executar seu plano de governo e as reformas. A oposição tem o direito de protestar e resistir. Tanto o governo quanto a oposição cometeram abusos. A fracasso do diálogo favorece a radicalização. O risco não é de golpe, mas de que a tensão se espalhe, e com ela a violência.