Título: Ataque a gasoduto na Bolívia reduz gás para o Brasil
Autor: Souza, Marcos de Moura e
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2008, Internacional, p. A11

Um trecho de gasoduto na Bolívia que traz gás ao Brasil foi danificado ontem, o que levou a uma redução de 10% do fornecimento ao mercado brasileiro. Uma suposta explosão foi, segundo o governo do presidente Evo Morales, causada por grupos radicais de oposição que, nos últimos dias, intensificaram os protestos em vários pontos do país. O Brasil já ofereceu ajuda para tentar uma facilitar um diálogo, mas até agora nem governo nem oposição se mostraram abertos a uma mediação. Autoridades brasileiras e o próprio governo boliviano acreditam que a tensão vai prosseguir nos próximos dias e que novos ataques devem ocorrer.

O presidente interino da estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), Santos Ramírez, disse que "o atentado terrorista" provoca uma redução do fluxo de gás ao Brasil em 3 milhões de metros cúbicos por dia. A Bolívia produz cerca de 40 milhões metros cúbicos diários e cerca de 30 milhões são destinados ao Brasil; entre 6 e 7 milhões ao mercado boliviano e o resto, à Argentina. Segundo Ramírez, serão necessários 20 dias para reparar a tubulação.

A avaliação era que a explosão ocorreu porque uma válvula do duto foi fechada por manifestantes e a pressão acabou rompendo a tubulação de 32 polegadas. A válvula fica em Villamontes, no departamento de Tarija, entre os campos de San Antonio e San Alberto. Anteontem, manifestantes já haviam desregulado a válvula.

Ramírez, da YPFB, culpou os chamados movimentos "cívicos" de oposição a Morales e governadores oposicionistas pelo ataque.

Líderes de grupos oposicionistas não descartam novas ações contra instalações de gás, para pressionar Morales a voltar atrás de uma medida que retira parte do imposto dos departamentos ricos em gás para financiar um programa de transferência de renda para idosos. A oposição também quer mudanças na nova Constituição que o governo pretende levar a referendo no início de 2009.

Duas fontes do governo brasileiro ouvidas pelo Valor disseram que a probabilidade é mesmo de que outros ataques como o de ontem se repitam nos próximos dias. O principal temor é que grupos radicais consigam danificar um trecho do duto na região de Santa Cruz, o que poderia interromper completamente o fluxo de gás para o Brasil. Ontem, opositores em Santa Cruz tomaram e saquearam instalações da TV estatal boliviana e a sede da Entel, a empresa de telecomunicações estatizada por Morales, provocando um caos telefônico em várias regiões do país. Santa Cruz é o centro da oposição.

A Bolívia comunicou Brasília que reforçará a segurança ao longo do gasoduto e nas plantas de gás pelo país. "Tomamos isso com um grau de realismo. O gasoduto não é defensável. Somente em Santa Cruz são cerca de 1.200 km de extensão, boa parte na superfície", disse uma das fontes. "Há a probabilidade de novos ataques".

Javier Macias, porta-voz do Ministério de Governo (espécie de Casa Civil) boliviano classificou a onda de protestos como "psicose coletiva" e disse que "amanhã ou depois isso vai atingir outras regiões do país" até que em "algum momento a adrenalina baixe".

Nos últimos meses, o governo brasileiro tentou facilitar uma aproximação entre Morales e setores oposicionistas, com quem mantém canais de diálogo. A oferta não encontrou resposta.

Além da explosão, dois grupos "cívicos" de Tarija invadiram e paralisaram o campo de gás de Vuelta Grande, no departamento de Chuquisaca, de onde sai o gás destinado à Argentina e, uma parte menor, ao Brasil. "A tomada foi pacífica. O que pretendemos é que o governo abra um diálogo", disse ao Valor Reinaldo Bayart, presidente do Comitê Cívico de Tarija. "Não podemos descartar outras medidas como essa." Bayart e Felipe Moza, presidente do Comitê Cívico de Villamontes, negaram que seus grupos tenham danificado o gasoduto e insinuaram que pode ter sido um "auto-atentado" do governo para esvaziar a oposição.