Título: Decisão que anulou grampo no caso Sundown é inédita
Autor: Aguiar, Adriana; Ignacio, Laura
Fonte: Valor Econômico, 11/09/2008, Legislação & Tributos, p. E2

Uma decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tomada no auge do debate em torno do uso do grampo telefônico no país, surpreendeu tanto procuradores do Ministério Público quanto advogados criminalistas. A sexta turma da corte considerou exagerado um período de quase dois anos de escutas telefônicas, feitas de julho de 2004 a junho de 2006, quando a Polícia Federal prendeu dez pessoas, entre elas três empresários identificados como donos do grupo Sundown e dois auditores da Receita Federal acusados de facilitar importações subfaturadas de peças e componentes para bicicletas e motos. Eles teriam provocado um rombo avaliado preliminarmente em R$ 150 milhões aos cofres da União em crimes como sonegação, corrupção ativa e passiva, lavagem e envio ilegal de dinheiro para o exterior.

Na prática, o STJ anulou as provas obtidas com a escuta telefônica considerada ilegal e determinou o retorno do processo à primeira instância da Justiça Federal para que os empresários Isidoro e Rolando Rozenblum, da Sundown, sejam julgados novamente, excluídas as provas denúncia do Ministério Público. Depois de cumprirem um ano de prisão, ambos - pai e filho - fugiram de um hospital onde estavam internados para tratamento em Curitiba e hoje vivem em Punta del Este, no Uruguai. Isidoro foi condenado a 45 anos de prisão e Rolando a 49 anos, por crimes como corrupção, evasão de divisas, descaminho e formação de quadrilha.

Até hoje, tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o STJ haviam desconsiderado o fato de que as escutas telefônicas que ultrapassaram o prazo de 15 dias prorrogáveis por mais 15, estariam em desacordo com a lei. Os procuradores Deltan Martinazzo Dallagnol e Orlando Martello Junior, responsáveis pelo caso Sundown, divulgaram ontem um manifesto alegando que o período de escuta tempo foi necessário em função da complexidade dos crimes - segundo eles, "mais de 245 crimes", ou um para cada três dias de escutas efetuadas. Os procuradores afirmam ainda que, por conta da decisão do STJ, ficarão prejudicados o processo criminal em que foram condenados os empresários e auditores fiscais e cerca de 40 inquéritos em andamento, além de parte de bloqueios de valores que superam R$ 100 milhões. "Não há recurso eficiente a ser remanejado para revisar a decisão", afirmam. Ao Valor, Dallagnol disse que em alguns processos há outras provas além das escutas, e garantiu que não vai desistir de brigar para que os envolvidos no caso sejam punidos.

Na outra ponta, advogados comemoram a decisão do STJ. Para o criminalista José Luís Oliveira Lima, o caso, apesar de isolado, deve servir de paradigma para que outros processos baseados em provas produzidas no prazo em excesso sejam anulados, inclusive naqueles em que já há condenações, mas que não transitaram em julgado - como nos processos resultantes de investigações da Polícia Federal nos últimos quatro anos. O advogado Celso Vilardi diz que vai questionar alguns casos na Justiça a partir do precedente aberto pelo STJ, já que, segundo ele, 80% e 90% das interceptações telefônicas são baseadas em decisões judiciais que desconsideram o prazo previsto em lei. De acordo com o advogado Renato Stanziola Vieira, do escritório André Kehdi e Renato Vieira Advogados, a decisão é importante porque o ministro Nilson Naves, que compõe a sexta turma do STJ, mudou de posição, já que em decisões anteriores ele tinha sido favorável à prorrogação do prazo de escutas, o que pode sinalizar uma mudança na posição da corte.

O advogado Daniel Muller Martins, um dos que defende Isidoro e Rolando Rozenblum, informou que a decisão do STJ está sendo avaliada e, na próxima semana, será feito um pedido para que ela produza efeito nas outras duas condenações dos empresários. "A condenação por corrupção foi anulada porque só tinha interceptações telefônicas como prova, mas isso deu origem a outras medidas, como a apreensão e o bloqueio de bens, que agora tentaremos reverter", afirma. Os advogados dos dois empresários também pedirão que os inquéritos sejam trancados. O juiz Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal de Curitiba, que receberá novamente o processo, por determinação do STJ, não comentou a decisão dos ministros, mas informou que uma das condenações é por evasão de divisas e não tem relação com interceptação telefônica. Da decisão do STJ cabe recurso do Ministério Público à terceira seção do próprio tribunal ou ao Supremo.

A fabricante de bicicletas Sundown, após alterações societárias, passou a se chamar Brasil & Movimento e tem como principal acionista o pai de Isidoro, Jaime Rozenblum, de 97 anos. Procurada pelo Valor, a empresa respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que os dois empresários foragidos não são sócios da Brasil & Movimento, embora a Justiça considere Isidoro e Rolando como "donos da Sundown".