Título: Em conversa com Lula, Morales disse estar pessimista sobre crise
Autor: Leo, Sergio; Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2008, Internacional, p. A10

O governo boliviano informou às autoridades brasileiras estar pessimista em relação a um acordo com a oposição para acabar com a crise política no país, embora esteja disposto a negociar, até sobre a repartição do Imposto Direto sobre Hidrocarburos (IDH), uma das principais reivindicações dos oposicionistas que vem fazendo protestos violentos na Bolívia.

Para o governo brasileiro, segundo apurou o Valor, há três cenários possíveis para os desdobramentos da crise boliviana, um deles até o de uma "guerra civil de baixa intensidade", com o recrudescimento de conflitos localizados, como os que ocorreram ontem no país vizinho. Outra possibilidade, considerada menos provável, seria um comportamento de "furacão", com os conflitos sendo gradualmente reduzidos até passarem. O Planalto trabalha, ainda, com a possibilidade de um agravamento da crise que leve os dois lados à mesa de negociação, mais interessados em um acordo.

As propostas de "pacto" com a oposição foram detalhadas para o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, pelo vice-presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera, em conversa telefônica, na terça-feira. Ontem, o ministro de Finanças da Bolívia, Luis Alberto Arce, repetindo o que disse Linera, citou as propostas de acordo que, garante, o governo Evo Morales faz à oposição.

"Nosso interesse maior é o equilíbrio institucional da Bolívia; se ele se romper, as conseqüências para todo o continente, tão acostumado a rupturas constitucionais ao longo de sua história, serão ainda mais graves", comentou Garcia. Ele informou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou por telefone com Evo Morales para informar-se sobre a crise.

Morales, segundo Garcia, foi pessimista sobre a possibilidade de uma reabertura do diálogo com os opositores. O boliviano também mostrou preocupação com a possibilidade de haver mortos nos confrontos na região e disse que os movimentos sociais estavam se reunindo para apoiá-lo nas ruas.

O governo brasileiro não vai tolerar rupturas constitucionais na Bolívia e não reconhecerá nenhum governo que desrespeite as decisões soberanas do povo boliviano apresentadas nas urnas em 2006 e confirmadas recentemente em um referendo popular, disse Garcia, em nome de Lula. Repetindo o termo usado pelas autoridades bolivianas, Garcia classificou de "terroristas" as ações de sabotagem contra gasodutos na feitas.

"Não estou dizendo que a oposição ao governo boliviano é terrorista, mas os atos praticados por algumas pessoas foi", disse ele. Em referência ao dia de ontem - 11 de setembro -, data do golpe de Estado contra Salvador Allende no Chile e dos atentados ao World Trade Center, nos EUA, Garcia comentou que "não existe diferença entre terrorismo no Chile, em Nova York ou na Bolívia; não existe terrorismo de direita ou de esquerda, bom ou mau, tudo é terrorismo."

Para Garcia, a primeira tarefa dos países sul-americanos é evitar que os confrontos na Bolívia se agravem a ponto de eclodir uma guerra civil. "Vencida essa primeira etapa, o próximo desafio será criar um terreno propício para a retomada das negociações e do diálogo entre governo e oposição". Lula falou por telefone ontem com os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e da Argentina, Cristina Kirchner, e iria falar com Michele Bachelet, do Chile, que preside a Unasul (União das Nações Sul-Americanas). Negocia-se um missão de altos funcionários desses países à Bolívia.

O ministro de Finanças boliviano acusou a oposição de tramar um "golpe de estado cívico e prefectural", em alusão às "prefecturas" (governos regionais) e comitês cívicos (associações municipais de cidadãos) que fazem oposição a Morales. Ele classificou as ações desses grupos de "terrorismo".