Título: Tropas das Forças Armadas contra coronéis do asfalto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/09/2008, Opinião, p. A12
Tropas do Exército e da Marinha começaram a ocupar ontem 27 comunidades identificadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio como "currais eleitorais" sob o domínio do tráfico de drogas ou de milícias. Há um mês, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que essas comunidades precisam de garantias para exercer livremente o direito do voto e autorizou o envio de tropas federais para as localidades. Mesmo assim, as forças militares não garantirão a esses cidadãos a liberdade de que dispõem os brasileiros que não vivem em territórios controlados por milicianos ou traficantes: as tropas ficarão em torno de 72 horas em cada lugar, e nesses dias os candidatos poderão fazer campanha das 12hs às 18hs, desde que oficiem ao TRE-RJ esta intenção até as 18hs da véspera. Em Campos, a ocupação será permanente até as eleições, com o objetivo de evitar uma já rotineira prática de compra de votos.
A Justiça eleitoral inicia, dessa forma, uma ação preventiva contra os coronéis do asfalto, exploradores da miséria que, em áreas carentes, substituem o poder público e têm o poder de vida e de morte sobre os moradores. A situação é crítica, principalmente em regiões pobres próximas à capital fluminense. Em Campo Grande, por exemplo, o vidraceiro Anderson Faria Fernandes Bezerra foi morto quando fixava material de propaganda do vereador Júlio Brasil, do PTB. Antes, dois motoqueiros avisaram o grupo que a área "tinha dono". A polícia investiga pessoas ligadas à milícia Liga da Justiça e à candidata à prefeita Carminha Jerominho (PTdoB), que está presa e faz campanha de dentro do presídio de segurança máxima de Catanduvas. O pai e o tio de Carminha são o vereador Jerônimo Guimarães e o ex-deputado Natalino Guimarães, presos sob a acusação de comandarem a Liga da Justiça - milícia integrada por policiais e ex-policiais que cobrava segurança, e controlava o voto e a distribuição de serviços na região.
O tribunal do Rio recebeu denúncias de que, em comunidades cujos coronéis têm candidatos, seria exigido os eleitores fossem para a cabine de votação com telefones celulares para fotografar a tela de confirmação do voto do candidato imposto a eles na urna eletrônica - condição para que eles e seus familiares sejam deixados em paz. Nas comunidades que não possuem candidatos próprios, o tráfico e a milícia podem cobrar uma "luva" dos candidatos que, para circularem livremente nessas comunidades, são obrigados a pagar aos coronéis do asfalto quantias que variam entre R$ 10 mil e R$ 30 mil, dependendo do tamanho da localidade e do número de eleitores do local.
Em favelas com candidatos, as milícias fazem inusuais marketings eleitorais. A execução de sete pessoas na Favela do Barbante foi atribuída à milícia da candidata Carminha, que queria botar as mortes na conta do tráfico de drogas e obter votos à candidata da Liga, que "venderia" uma imagem associada à segurança contra os traficantes.
Calcula-se que, no Rio, pelo menos 20 candidatos sejam ligados às milícias. A representação política do crime organizado não tem restrições quanto a partidos. O adversário direto da Liga da Justiça, por exemplo, é o deputado estadual do PT, Jorge Babu, que, em conjunto com o tenente-coronel da PM Carlos Jorge Cunha, afastado há mais de um ano da corporação, aterrorizava moradores de favelas da Zona Oeste. Em uma delas foi encontrado um cadastro com o nome, a fotografia e o número do título de eleitor dos moradores. Os moradores não recebem correspondência se não estiverem em dia com a "mensalidade" cobrada pela milícia. Pesam sobre os integrantes dessa milícia - como, aliás, todas as outras - a suspeita de vários assassinatos.
A Operação Voto Livre da Polícia Federal (PF) colocou na cadeia milicianos de todas as origens, inclusive e principalmente policiais militares. É importante, todavia, que essa operação transcenda o período eleitoral e contribua decisivamente para que se elimine dos mapas do país localidades submetidas pelo medo a organizações criminosas. Se não houver uma política efetiva de debelamento desses núcleos criminosos, nas próximas eleições novamente tropas militares ocuparão comunidades para garantir apenas uma liberdade relativa e pontual do voto.